Review | American Gods [Season 3]

Nota
4

“Homens brancos não são tendência. Evolução ou extinção.”

Depois de alguns meses vivendo em Milwaukee, longe do controle de Wednesday, seu pai, Shadow Moon, que agora atender pelo nome de Mike Ainsel, volta a reencontrar o deus nórdico, o que o coloca novamente dentro do enorme furacão que é a guerra entre os Velhos Deuses e os Novos Deuses. Sua volta ao jogo é marcada por uma visita aos Bastidores para conversar com Wisakedjak (um antigo deus ameríndio), sua apresentação à misteriosa Cordelia e uma viagem esclarecedora a Lakeside, onde Shadow deveria ficar apenas escondido dos ataques dos Novos Deuses, mas acaba se envolvendo demais nos assuntos da cidade para passar despercebido.

Estreando em 10 de janeiro de 2021, a terceira temporada de American Gods parece enxergar de forma clara os problemas que circundaram sua segunda temporada e começa a deixar a originalidade em plano de fundo, voltando a se apegar aos eventos do livro e deixando sua liberdade criativa unicamente para desenvolver os personagens que foram os pontos fortes das temporadas anteriores (como é o caso de Bilquis e da relação de Salim e o Jinn). A série do canal Starz, transmitida mundialmente pelo Amazon Prime Video, começa sua nova temporada com “A Winter’s Tale” (3×01) adaptando os eventos dos capítulos 10 a 13 do livro, somos novamente colocados nos trilhos literários de Neil Gaiman, o que pode significar que a série realmente vai avançar e nos levar a uma trama realmente interessante, sem tantos rodeios com motivações meramente financeiras, e nos levar mais perto de ver a verdadeira guerra finalmente acontecer.

O novo ano mostra que está pronto para fundir novamente os dois roteiros (o original da série e a adaptação do livro) ao introduzir personagens marcantes da obra, como é o caso do marcante Hinzelmann (que na série é uma mulher), do envolvente Chad Mulligan, do mítico Whiskey Jack, da curiosa Marguerite Olsen, entre outros personagens que tiveram uma grande participação nos que estão sendo adaptados para o show, e novos personagens, criados exclusivamente para a produção, que dão uma dinâmica mais forte e atual ao desenrolar do enredo, como é o caso da dedicada Cordelia, do adaptativo Tyr, da sofrida Deméter, do feroz Johan (harmoniosamente interpretado por Marilyn Manson), entre outras adições que ajudam as evoluções dos personagens e de suas tramas, empurrando-as de volta para os trilhos que deveriam estar seguindo a muito tempo. Em paralelo, gastando pouco tempo de tela, temos subtramas focadas em desenvolver os personagens que ganharam a atenção do público, preparando-os para evoluir até um ponto que suas histórias possam andar lado a lado com os novos rumos que a série decide tomar.

Vemos Mr. World pronto para encarar uma nova fase da batalha, o que faz surgir a Ms. World, uma deslumbrante mulher negra que passa a ser a nova aparência assumida pelo líder dos Novos Deuses. Longe dali, vemos Bilquis se entendendo com as novidades tecnológicas, se aliando mais fortemente com Technical Boy, que cria um aplicativo que potencializa sua nova forma de adoração, mas não é suficiente para fazer ela assumir um lado nessa guerra, uma escolha que leva a Rainha de Sabá e o Deus da Tecnologia a explorar novas camadas de suas personalidades e passar por uma evolução muito mais significativa. O episódio “Ashes and Demons” (3×03) é um dos grandes destaques da temporada, é nele que temos uma trama original para Laura Moon que muda completamente nossa visão sobre a personagem, a Esposa Morta passa por uma jornada dolorosa que nos faz ver sua alma ser destruída ao encarar uma realidade que nem ela esperava, uma realidade que nos toca no fundo de nossa essência e nos ver Laura com novos olhos.

Depois do anuncio da demissão de Orlando Jones, interprete Mr. Nancy nas duas primeiras temporadas da série, ator que criticou pesadamente a existência de um racismo nos bastidores da série (que fez com que o ator precisasse se unir aos roteiristas para criar falas para seu personagem e alguns outros personagens negros, incluindo o protagonista do show), a nova temporada da série tinha tudo para ser tragada pela expectativa negativa que a decisão de Charles Eglee, novo showrunner da série, causou. Iniciando os esforços para mudança do clima dentro da série, tivemos a substituição de Crispin Glover por Dominique Jackson, dando uma representatividade maior ao colocar uma mulher negra como maior antagonista da trama, mesmo que Glover ainda faça participações durante o decorrer da série, o que acabou melhorando muito mais a personalidade e a construção do personagem, e tivemos a maravilhosa introdução de “The Unseen” (3×04), onde vemos a chegada dos Orixás à América, nos fazendo ver uma força negra e uma bela mensagem contra o racismo nos momentos que a tela é preenchida pelas participações de OxumIemanjáAyê e Xangô, e se complementa com a participação de Icu em “Fire and Ice” (3×07).

A terceira temporada de American Gods é uma bela redenção para aqueles que já estavam prestes a desistir da série, mostrando uma boa recuperação depois do descontrole que foi mostrado na temporada anterior. O trabalho de Ricky Whittle como protagonista se fortalece ainda mais, com a chegada de um enredo mais intimista para o personagem, sem que ele precise literalmente viver em função de Odin, o ator ganha espaço para mostrar mais a personalidade construída pelo personagem, evoluindo e cativando mais do que esperávamos. Infelizmente o mesmo não pode ser dito de Ian McShane, que vive o mesmo Wednesday de sempre, perdendo espaço de tela e de enredo para realmente evoluir na trama, e seguindo com a dualidade de sempre, sem nos deixar saber quais podem ser suas reais intenções com todo esse movimento. Yetide Badaki segue brilhando em tela, mas sua personagem, que não tem muito enredo no livro, acaba ficando num plano de fundo necessário, o que dá espaço para que ela tenha envolvimento com os eventos da série mas sem força-los a fugir muito da narrativa originalEmily Browning nos surpreende com as novas camadas que ela consegue dar a Laura, nos fazendo ver o show de atuação que ela é capaz ao mesmo tempo que muda completamente nossa concepção sobre quem é Laura. Quem também ganha espaço é Bruce Langley, que como Technical Boy surge mais frágil na trama, mais vulnerável e muito mais passivo a evoluir, o que nos faz ver uma nova face do deus que nos conecta a ele e cria novos sentimentos. O show ainda nos brinda com as belas participações especiais de Blythe DannerDanny Trejo e Iwan Rheon, entre outros convidados.

Para os que leram o livro, a expectativa por uma trama megalomaníaco e extremamente gráfica era o mínimo esperado para a série inteira, mas a sobriedade desse ano acaba agradando tanto quanto as sequencias cheias de efeito que eram esperadas, o que dá um tom intermediário entre o descomedido imaginário provocado pela escrita de Gaiman e os limites da tecnologia e bom-senso ao redor dos efeitos especiais. Com seus dez episódios de cerca de 50 minutos, a nova temporada dá um freio na viagem desvairada dos diversos roteiristas que passaram pela equipe, e valorizam ainda mais as cenas cheias de significado e a parte técnica exemplar, voltando aos louros de seu primeiro ano e nos cativando com seus flashbacks mais diretos, apresentando as histórias dos deuses de uma forma muito mais claras, mesmo que não tenha tido tempo suficiente para retomar seu destino por completo e se finalizar com um espaço para uma última temporada, uma temporada que possa amarrar os nós e finalizar as diversas tramas criadas durante esses três anos.

“Que o otimismo de amanhã seja a sua base para hoje, e eu somos nós,
e nós somos poder, e somos impotentes se apenas
nos tornarmos nada além de vocês e eles.”

 

Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.

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