Crítica | Midsommar: O Mal Não Espera a Noite (Midsommar)

3

A jovem Dani (a excelente Florence Pugh) passou por um trauma inimaginável ao encontrar a irmã e os pais mortos dentro de casa sob circunstâncias já previstas num email. Seu namorado Christian e um grupo de amigos se organizam para ir a um festival de solstício de verão na Suécia que acontece apenas a cada 90 anos, e resolvem levá-la junto. Chegando ao local, eventos bizarros e perturbadores começam a se desenrolar em plena luz do dia.

A notável abertura do mercado para o cinema de horror tem rendido o surgimento de nomes tremendamente promissores, como Robert Eggers (A Bruxa, The Lighthouse), Jordan Peele (Corra!, Nós) e Ari Aster, que fez sua estreia em longa-metragem no ano passado com o excelente Hereditário, sucesso absoluto de crítica e bilheteria. Apesar de comumente classificado em listas de “pós-terror” (termo reducionista que designaria filmes do gênero com abordagens técnicas e temáticas mais sofisticadas e de menos apelo popular), o filme estrelado por Toni Collette se destacava por conciliar a austeridade e rigor formal à histeria surtada e quase farsesca da sanguinolência.

Midsommar começa com o mesmo carrego emocional de Hereditário, criando uma atmosfera de enorme densidade dramática através de planos lentos e trilha sonora dissonante. Apesar de rigorosamente técnico, o primeiro ato mantém uma crua proximidade da Dani e nos arrasta hipnoticamente para dentro do vilarejo – com um senso de antecipação que nunca é plenamente recompensado pelo roteiro. Enquanto horror, o filme atinge níveis melhores (psicológicos e gráficos) na primeira metade, com o clima de catástrofe eminente e disrupção com o idílico. O aguardado banho de sangue vem cedo e choca sem qualquer evasiva, mas se despede rápido e nunca retorna com a mesma intensidade.

Quanto mais se aproxima do que se poderia chamar de clímax, Ari Aster distancia o espectador dos personagens em função de uma solenidade obsessiva de sua estética; as câmeras inventivas não mais mediam emoções de perturbação e perdem de vista tanto o horror do desconforto como a catarse gore. Ainda que imageticamente muito poderoso e relevante, o terceiro ato não provoca o impacto que poderia, visto que todo o longo processo ritualístico parece uma eterna preparação para revelação que nunca chega. A cena final em si é belíssima e memorável, mas até lá o diretor busca essa beleza formal tantas vezes que – apesar de todo o evidente virtuosismo técnico – deixa a sensação de não ter explorado todo o potencial de sua premissa.

Tematicamente, no entanto, o arco principal é impecável. Está virando especialidade de Aster esse paralelo muito concreto entre a tragédia mais dolorida possível e o horror do absurdo, que não tem medo de correr riscos e é plenamente consciente de seu teor cômico, às vezes ridículo. Diante de tantos caminhos seguros e esquemáticos, dentro e fora do cinema de gênero, é muito bom ver um projeto tão ambicioso e discordante – mesmo com uma boa dose de auto deslumbramento.

 

De Recife (PE), Jornalista, leonino típico, cinéfilo doutrinador.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *