Crítica | M3GAN

Nota
5

“Não vou deixar nada machucar você, nunca mais.”

Depois que seus pais acabam morrendo em um acidente de carro, a caminho de uma viagem para esquiar, Cady acaba indo morar com Gemma, sua tia, uma supercompetente roboticista da Funki, empresa de brinquedos de alta tecnologia que está fazendo sucesso com o Perpetual Petz. Quando um concorrente lança um brinquedo semelhante, David começa a pressionar Gemma para desenvolver uma nova geração de Perpetual Petz que seja mais barata, o que faz a mulher ficar mais workaholic que o normal e não ter muito tempo para Cady, mas é na vivencia com sua sobrinha que Gemma percebe o potencial de um outro projeto: o Model 3 Generative AndroidM3GAN, um robô humanoide de tamanho real dotado de uma inteligência artificial que possibilita uma conexão completa entre brinquedo e criança, auxilia com os aprendizados diários e pode preencher o tempo ocioso dos país. A ideia revolucionária, e incrivelmente cara, acaba por fazer os olhos de David brilhar, fazendo a empresa investir numa promissora, e perigosa, aposta.

Não precisa muito para deixar clara a qualidade que existe no longa, basta falar que temos roteiro baseado no argumento de James Wan e produção de James Blum (ou seja, Blumhouse) que rapidamente o filme vai conseguir chamar a atenção de qualquer pessoa com um entendimento básico sobre filmes de terror. Fugindo do padrão Wan-Blum de terror, o filme dirigido por Gerard Johnstone esquece a sobrenaturalidade do medo geral e investe mais a fundo no terror futurista (ou praticamente presente) das AIs. M3GAN parece uma fusão espiritual de Chucky e do Ultron de Era de Ultron, ela inicialmente é um inocente brinquedo que aos poucos vai se transformando, mas ao contrário do Brinquedo Assassino sua transformação não tem origem demoníaca, ela começa a aprender com os humanos e com a internet, assim como Ultron, a remodelar seu código moral, criando novos parâmetros de ação e enxergando que precisa superar o conceito de certo e errado para cumprir sua missão de proteger Cady de forma física e emocional, entendendo que as vezes é necessário matar para proteger quem amamos. Talvez não por opção, o longa evita o uso das Leis de Asimov, o que claramente é um erro fatal num trabalho de roboticista e claramente se torna a base principal para toda a evolução macabra de M3GAN, e é justamente quando a boneca começa a usar sua AI para adquirir conhecimento independente que vamos vendo ela se transformar, num intenso terror psicológico e que mal investe em jumpscares.

Apesar de o filme ser focado principalmente em três personagens e suas interações, não falta em momento nenhum um desenvolvimento preciso e ritmado. Allison Williams é a grande protagonista do filme como Gemma, é ela quem começa a enxergar as inconsistências em M3GAN, que começa a perceber que criou um monstro e precisa entender como reverter seu erro, que coloca em risco sua vida, sua carreira e a vida de sua sobrinha. Alisson já esteve no lado oposto da moeda ao interpretar Rose no maravilhoso Get Out de Peele, talvez por isso ela esteja tão a vontade nesse terror quase psicológico. Violet McGraw é outro show de atuação no papel de Cady, ela consegue entregar tudo na sua transição em tela, começando com o luto de uma garota que acabou de se tornar órfã, uma frieza e obliquidade que transcende a tela e nos faz sentir sua dor, e vai ganhando cor a medida que sua relação com M3GAN vai se fortalecendo, se transformando numa criança feliz, mas, talvez, o grande ápice de sua atuação seja quando sua tia começa a querer afastar ela de M3GAN, quando começa a enxergar os problemas na boneca e começamos a ver Cady se transformar, toda a dependência emocional que a garota empregou na boneca é exposta e se torna um terror a parte ver a garota em fúria, nos lembrando que estamos debatendo sobre os perigos da tecnologia. A atriz mostra uma evolução surpreendente, superando facilmente seu desempenho em A Assombração da Residência Hill, onde foi o grande destaque no papel de Nell quando criança. O trio se completa com Amie Donald, a atriz por trás de M3GAN que, apesar de não ser a voz da personagem, consegue criar uma personalidade inteiramente única usando só o gestual da antagonista, a forma como ela anda, suas danças que viralizaram e até a forma como ela olha para as pessoas, tudo constrói absurdamente bem a personagem, o que só se complementa pela dublagem rígida de Jenna Davis, que, acreditem, conseguiu fazer até a música Titanium soar macabra.

Engraçado e aflitivo, M3GAN consegue pegar o melhor do gênero ‘bonecos assassinos’ e se sustentar com inovação, ele traz uma roupagem moderna ao estilo e bebe muitas referencias da cultura pop, o que talvez tenha sido a origem da ideia das dancinhas que rapidamente fizeram sucesso no Tiktok, ao mesmo tempo que faz discretos comentários sociais. M3GAN começa a deixar de obedecer ordens quando cria seu próprio conceito moral, deixando no ar o grande questionamento sobre a natureza humana e o potencial da tecnologia de forma indireta, e talvez seja para botar o dedo na ferida moral que o roteiro de Akela Cooper traga cenas que não se levam a sério, nos deixando rindo de nervoso em vários momentos. Misturando críticas com memes e ridicularizações, o filme nos cativa de uma forma surpreendente, apresenta uma narrativa que pode não envelhecer bem mas é feita para um mercado fixo temporalmente e mostra uma nova face para toda a expertise que Wan e Cooper nos entregaram com o denso Maligno, contrastando a poderosa cena da cabeça decepada com um enredo que evita até trazer o sangue diretamente em tela, o que o torna adequado a um público maior, mais reflexivo e menos chocante. Um gostoso respiro no gênero, a produção fez tanto sucesso em sua semana de estreia que já garantiu uma sequencia (intitulada M3GAN 2.0) com o retorno do trio protagonista em mais uma desventura da boneca que aterroriza tanto quanto diverte, talvez por isso tenha se tornado um novo ícone do cinema.

 

Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.

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