Crítica | A Paixão Segundo G.H.

Nota
4.5

G.H. (Maria Fernanda Cândido) é uma socialite carioca, uma escultora aparentemente famosa, que se depara sozinha em casa após sua empregada pedir demissão. Num ato de puro tédio, ela decide ir até o quarto da sua empregada para limpar as sujeiras que ficaram lá, já que em sua mente elitista não havia a possibilidade de encontrar outra situação. Para sua surpresa, ela encontra o quarto vazio, bastante limpo e arrumado, mas com uma das paredes com desenhos esquisitos e com uma barata no armário de madeira do quarto. Após dar de cara com essa barata, G.H. vai entrar em uma crise existencial e filosófica sobre tudo, desde sua existência até o propósito de todas as coisas do mundo. Adaptação do livro de mesmo nome da autora ucraniana Clarice Lispector, A Paixão Segundo G.H. nos leva a uma viagem filosófica e cinematográfica pelos olhos do diretor Luiz Fernando Carvalho.

Famoso por seus projetos na televisão, como a minissérie Hoje é Dia de Maria (2005) e a novela que divide opiniões até hoje Meu Pedacinho de Chão (2014), Luiz Fernando Carvalho se aventura nessa difícil tarefa de adaptar um livro de Clarice Lispector para as telas do cinema. Coincidentemente, o 5º livro da autora também foi a 5ª obra a receber uma adaptação para o cinema, sendo a mais famosa dentre elas A Hora da Estrela (1985). Ao contrário de A Hora da Estrela, o diretor consegue com mais êxito a difícil proeza de adaptar os textos de Clarice. Enquanto o filme de 85 perde bastante da narrativa em fluxo de consciência do livro, A Paixão Segundo G.H. consegue adaptar com maestria a esse tipo de narrativa tão característico da autora, fazendo que todo o monólogo da personagem siga como se estivéssemos dentro de sua mente, onde as ideias vem sem filtro e sem ordem.

Maria Fernanda Cândido, que faz a protagonista G.H., já é uma atriz consagrada por seu sucesso em diversas novelas, sendo seu último trabalho na primeira fase da novela Renascer (2024), e tem um trabalho espetacular nesse filme. Ela não apenas sustenta as 2 horas de filme sozinha, com seu monólogo extenso, como também vai aos poucos construindo sua personagem na sua loucura gradativa, tendo diversas nuances da personagem mostradas desde o início. Tudo isso atrelado ao trabalho de direção que consegue construir a personagem junto com ela, até pela forma com que o longa é filmado. Bem no começo do filme, há uma comparação de como os seres humanos se assemelham com a pintura da Mona Lisa, e no meio de seus monólogos, a G.H. olha para a câmera com um olhar distante, como se ao mesmo tempo que ela olhasse ela não estivesse olhando, o que é uma característica do quadro de 1503 de parecer olhar para a frente quando na verdade ela aparenta não tem um olhar um olhar fixo para algum lugar. 

A Paixão Segundo G.H. surpreende bastante com sua fotografia, que muda constantemente a partir dos pensamentos da personagem principal, além do toque vintage na sua filmagem, que nos transporta para o Rio da década de 60. Além disso, toda a direção de arte e de figurino é muito bem detalhada, o que conversa bastante com as obras anteriores do diretor, que sempre foi muito meticuloso e sobretudo criativo em suas minisséries. Apesar disso, assim como o livro, tem um roteiro muito denso, que se alonga por bastante tempo, o que vai afastar sem dúvida o público geral, já que este é um filme muito intimista que consegue um bom balanço entre um cinema experimental e conceitual. Mas o filme, que foi exibido no Festival do Rio de 2023, não agradou todos os fãs da escrita de Clarice Lispector, já que não se separa do material do livro, fazendo muitas vezes uma transcrição do conteúdo original. As falas da personagem G.H. serem transcritas do livro não tiram a originalidade da experiência do filme, que trás de uma forma audiovisual os sentimentos que são passados pelo roteiro, tornando a sua experiência em assistir o filme singular e complementar ao livro.

Adaptado da autora ucraniana, Clarice Lispector, A Paixão Segundo G.H. traz a atriz Maria Fernanda Cândido num papel espetacular, num filme cheio de nuances e complexidades feito para os reais amantes de um cinema conceitual. O filme, no entanto não agrada tanto os fãs do livro, mesmo tendo uma experiência diferente da leitura e apesar de tecnicamente sem defeitos, desde a atuação cheia de nuances da Maria Fernanda Cândido, que consegue transportar você para as paranóias da personagem, até as proezas do diretor com o som e fotografia, que transferem os sentimentos da personagem para as cenas de uma forma inteligentíssima.

 

Ilustradora, Designer de Moda, Criadora de conteúdo e Drag Queen.

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