Crítica | A Hora da Estrela

Nota
3.5

Macabéa (Marcélia Cartaxo), exercendo a extinta função de datilógrafa, virgem e amante de Coca-cola, após a morte da tia que a criou, se mudou para a cidade grande para tentar viver uma vida melhor. Sua vida não tem muita agitação, ela apenas trabalha, vai ao metrô à passeio por achá-lo bonito e escuta a rádio relógio à noite, que diz as horas a cada minuto com uma curiosidade no meio tempo. Por ser muito inocente, ela confia em todas que moram com ela, e ao encontrar com Olímpico (José Dumont) ela acha que finalmente vai conseguir um romance, após ser botada para baixo por tantas vezes pela sua aparência pelos seus chefes e colegas de quarto. Adaptado do livro da escritora naturalizada brasileira Clarice Lispector, A Hora da Estrela de 1985  adapta o clássico da literatura e volta para os cinemas de todo Brasil em maio de 2024.

A Hora da Estrela é uma obra dificílima de se adaptar. Clarice Lispector, na escrita do livro, se utiliza muito de um tipo de escrita chamada “Fluxo de Consciência”, onde a personagem ou narrador narra suas experiências como se estivesse pensando, com pensamentos aleatórios e não lineares. Por isso, um filme não tem tanta liberdade como um livro de construir sua narrativa dessa forma, o que levou a diretora Suzana Amaral a adaptar de sua forma particular. A maior falha do filme é não adaptar o narrador do livro, o Rodrigo S.M., que, depois da Macabéa, é o personagem mais importante do livro, e é por ele que somos apresentados à Macabéa e vemos a perspectiva dele sobre a vida dela e é por ele que temos um dos melhores trechos, que é o final do livro, que no filme não se traduz de uma forma satisfatória. 

Apesar disso, o maior acerto do filme é a escolha de elenco. Não tem como imaginar outra atriz para fazer a Macabéa senão Marcélia Cartaxo. Apesar de ter sido feita uma adaptação posterior para a televisão, apresentada por Regina Casé e tendo Ana Paula Bouzas como Macabéa, o papel da Marcélia Cartaxo ainda segue sendo marcante por conseguir transmitir toda a inocência da personagem que se viu obrigada a ir para a cidade grande com apenas 19 anos e sem experiência nenhuma de vida apenas por suas expressões faciais, mas ainda sim, encarnando muito bem os maneirismos da personagem de tal forma que consegue ultrapassar as escolhas criativas que diferem do livro, roubando toda a atenção para a sua atuação riquíssima. Apesar de ter uma participação menor que os outros personagens, Fernanda Montenegro também brilha no papel de Madame Carlota, outra personagem marcante e muito importante para a história. Junto com a Marcélia, as duas fecham bem a versão da história. 

José Dumont também tem seu destaque com o personagem Olímpico de Jesus, que sonha em ser deputado, mas que menospreza Macabéa sempre que pode. Seu personagem acaba sendo muito interessante não só por ser o grande conflito do filme, mas também por traduzir os comentários sociais que a obra deseja transmitir e que ainda continuam relevantes para os dias de hoje. José Dumont consegue passar muito bem a ideia de um homem bruto, sem muito estudo, que não entende de muita coisa, mas sonha com a carreira política pelo status e a fama do cargo, mesmo sem saber o que significa ser um deputado. Outra personagem importante da trama é a Glória, interpretada pela atriz Tamara Taxman, que apesar do destaque por ser uma personagem importante, acaba não brilhando tanto quanto seus colegas de cena, onde mesmo com tanto tempo de tela, acaba sendo ofuscada pelo nível de interpretação, principalmente da Marcélia Cartaxo.

A Hora da Estrela adapta um clássico da literatura e é brilhantemente interpretado pela atriz Marcélia Cartaxo. Apesar de não adaptar fielmente o livro e deixar a desejar em muitos aspecto narrativos, o filme consegue criar uma identidade única para a obra de Clarice, e que conversa muito bem com a linguagem cinematográfica da época, principalmente atrelado às atuações de um grande elenco. A Hora da Estrela leva toda a melancolia e dramaticidade de Macabéa às telonas de uma forma super teatral e que ainda consegue ser relevante para os dias de hoje.

 

Ilustradora, Designer de Moda, Criadora de conteúdo e Drag Queen.

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