Review | Lovecraft Country [Season 1]

Nota
4

“Você ainda não se juntou a escuridão. Verá muitas mortes antes que essa jornada acabe.”

Durante a década de 50, nos Estados Unidos, e após anos afastado, o veterano de guerra Artticus Freeman (Jonathan Majors) é atraído a sua cidade natal por uma misteriosa carta do seu pai. Determinado a conseguir respostas, ele descobre que o mesmo desapareceu, despertando ainda mais os mistérios a sua volta. Junto com sua antiga amiga Leti Dandridge (Jurnee Smollett-Bell) e seu tio George (Courtney B. Vance), o rapaz parte em busca do seu pai pelas estradas do país, encarando a forte segregação racial da época e temores maiores do que podia esperar.

H.P. Lovecraft é um dos maiores nomes da literatura de horror, revolucionando o mercado e criando um subgênero que viraria referência em nossa cultura com seus monstros cósmicos e terrores que nenhuma alma humana poderia sonhar em entender. Suas palavras incentivaram milhares de outros escritores, servindo como uma referência criativa que mudaria o mundo como conhecemos, abrindo novas possibilidades e conceitos que nem sonhávamos poder existir.

Tendo isso em mente, a nova série da HBO se inspira nos aspectos amedrontadores do autor, ao referenciar não só sua obra mas a veia racista contida nela. Baseada na obra de mesmo nome escrita por Matt Ruff, Lovecraft Country traz uma espécie de antologia continuada, que insere seus personagens em horrores inimagináveis enquanto nos mostra o verdadeiro tormento mundano.

Aproveitando a base construída, a serie expõe relatos agonizantes que se tornam ainda mais criveis e poderosos com a presença gratificante de seus produtores, que conseguem mergulhar de cabeça naquilo que querem passar e transpor experiências que vão além da ficção. Boa parte disso se deve ao texto afiado de Misha Green, roteirista norte-americana que não só escreveu todos os episódios como dirigiu o oitavo.

A roteirista consegue transpor a ideia do material fonte e transformar em algo ainda mais sublime, tomando liberdade criativa para aprimorar aquilo que já se mostrava magnífico. Misha consegue transpor questões de raça e cor, construindo uma visão profunda sobre barreiras sociais de gênero, sexualidade e até mesmo a vivência da comunidade negra em uma momento tão marcado de sua história.

A serie ainda apresenta a ótima visão de Jordan Peele, um dos maiores nomes do horror do momento, que vem construindo narrativas voltadas para tais críticas, e J.J. Abrams, que conseguem levar suas assinaturas pessoais para a obra. Peele se mostrou crucial em toda construção da série, investindo tempo e dinheiro e garantindo que a mensagem fosse entregue como deveria ao maior número de pessoas possível.

Cada passo da narrativa é repleta de uma tensão palpável, que atravessa o horror comum e o transforma em algo mais mundano sem nunca perder sua essência. Toda viagem de carro nos primeiros episódios já demostra o poder da série, ao transformar coisas que parecem banais, como abastecer o carro, em verdadeiros tormentos.

Tomando cada episódio como um conto único, a trama vai desenvolvendo seus personagens, inserindo suas vivências com a narrativa principal sem perder a mão daquilo que quer nos contar. Aproveitando esse formato, a temporada consegue atravessar vários gêneros, trazendo uma experiência única a cada episódio e remodelando tudo que conhecemos. Mansões mal-assombradas, viagens interplanetária, caçadas a tesouros antigos e seitas secretas são alguns dos fantásticos momentos aqui narrados, que conseguem trazer a tona toda a veia de literatura pulp para a tela.

A jornada ainda insere tragédias reais em sua narrativa, sem perder sua veia ao nos recontar tais histórias. O Massacre de Tulsa e a Guerra da Coreia são abordadas de forma coesa e dolorosa, expondo feridas profundas que, infelizmente, ainda tem presença nos dias atuais. Isso se estende às jornadas dos personagens, que conseguem exibir uma verdade incômoda que atravessa a tela e nos golpeia no estômago.

Artticus encara uma jornada para descobrir mais sobre sua herança ancestral, que cria raízes e traz um poder que ele mesmo não sabia possuir. Sua reconexão com seu passado e as consequências disso em sua vida permeiam toda a narrativa, os inserindo de vez nesse novo universo. Como se não bastasse enfrentar seus dilemas sobrenaturais, o rapaz ainda precisa encarar seu cotidiano, que pode ser tão mortal e assustador quando os monstros que enfrenta.

Leti quer encontrar seu lugar no mundo. Revolucionária por natureza, a moça não costuma aguentar calada as porradas que a vida lhe da, sempre erguendo sua voz e lutando por aquilo que acredita, mesmo quando tratada como egoísta e aproveitadora pelos demais. Majors e Smollett-Bell entregam interpretação fortes e sublimes, que trazem toda a base que precisamos para acreditar em seus personagens.

Montrose (Michael K. Williams) é um homem repleto de traumas que persiste nos mesmos erros. Acertar o seu passado e se desprender dele é um dos processos mais dolorosos, principalmente quando se corta tanto de si para se encaixar naquilo que ele espera de nós. O personagem apresenta um dos melhores momentos da trama quando, ao encarar a câmera, narra as dolorosas marcas deixadas por Tulsa, de alguém de conheceu e vivenciou aquele momento sombrio.

Hippolyta (Aunjanue Ellis) precisa se redescobrir e renomear a si. Sempre espertas e curiosa, a moça sempre foi diminuída e limada para caber nas normas pré-estabelecidas. Descobrir sua grandeza e dar nomes a suas vontades trazem uma libertação tão genuína que emociona o espectador, mostrando todo o poder suprimido e cortado ao longo dos anos. Ruby (Wunmi Mosaku) sempre tentou se adaptar e aceitar aquilo que lhe era posto. Sua jornada a coloca em um ambiente que sempre sonhou, tendo todas as vantagens apenas para perceber o quão revoltante era se encontrar do outro lado, vendo ainda mais escancarado a podridão social.

Ji-Ah (Jamie Chung) consegue roubar a cena mesmo com seu tempo limitado em tela. Passando por momentos poderosos, a personagem enfrenta dilemas sobre o que nos faz monstros e como aceitar quem nós somos. A carismática Diana (Jada Harris) também se mostra uma grata surpresa, trazendo leveza na hora certa mas arrasando nos momentos oportunos. Abbey Lee Kersham traz uma atuação mais engessada que combina com sua personagem Christina, alguém que sempre está calculando o próximo passo e não mede esforços para conseguir seu objetivo.

Repleta de nuances poderosas, Lovecraft Country consegue trazer o horror cósmico para nosso plano térreo, nos dando verdadeiros socos no estômago enquanto demostra todo seu poder narrativo. Aproveitando os tempos sombrios, a série reestrutura estereótipos sociais demonstrando toda crueldade presente enquanto coloca o dedo na ferida, demonstrando assim que o verdadeiro horror se mantém tão vivo em nosso meio social quanto nas páginas dos livros.

“Achei que sabia como era o mundo, mas descobri que não é assim. E isso me dá medo. Mas não posso viver com medo. Eu me recuso. Preciso encarar esse novo mundo de frente e pegar o que é meu.”

 

Preso em um espaço temporal, e determinado a conseguir o meu diploma no curso de Publicidade decidi interagir com o grande público e conseguir o máximo de informações para minhas pesquisas recentes além, é claro, de falar das coisas que mais gosto no mundo de uma maneira despreocupada e divertida. Ainda me pergunto se isso é a vida real ou apenas uma fantasia e como posso tomar meu destino nas minhas mãos antes que seja tarde demais...

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