Review | Euphoria [Season 1]

Nota
5

“Não me lembro de muita coisa entre meus oito e doze anos, só que o mundo andava rápido e meu cérebro devagar e, de vez em quando, se focasse demais na minha respiração eu poderia morrer. Até que cada segundo de cada dia você se vê tentando superar a sua ansiedade e, francamente, estou exausta pra cacete.”

Rue é uma adolescente, de 17 anos, dependente química que, após ter uma overdose, passou um tempo numa clínica de reabilitação. Ao voltar para casa, a garota tem que enfrentar sua mãe preocupada e sua irmã, ainda traumatizada com o ocorrido, além de todos os problemas da adolescência; amor, estudos, dilemas, pressão e, claro, sua ansiedade.

Enquanto tenta retornar a sua vida normal ela percebe que seus colegas de escola também enfrentam seus próprios demônios. Envolvidos em tramas de sexo, drogas, traumas e redes sociais. Euphoria, baseado na série israelense de mesmo nome, possui uma proposta comum a muitas obras como Elite e 13 Reasons Why, o que é um pouco assustador, visto que as duas citadas sofrem graves problemas ao “romantizar” o uso de drogas. A produção da HBO deve seguir o mesmo caminho ou apresentar algo diferente daquilo que estamos habituados a ver?

O enredo possui uma qualidade excepcional, fazendo com que até as subtramas sejam complexas, ajudando o espectador a se conectar com cada um dos personagens que serão abordados mais a frente.

Zendaya não mediu esforços ao dar vida à protagonista e narradora da trama, uma garota tentando não surtar com tudo o que se passa na sua mente, e usando drogas para entorpecer sua mente. Ela tem uma forte relação com Jules, a nova aluna de sua escola, chegando a fazer algo que considerava impossível por ela. A relação complicada com sua família é bem retratada, todos os traumas e todo o apelo que a personagem tem são resultado da atuação impactante da atriz, acreditamos quando a personagem está sob efeito de entorpecentes, sentimos a sua dor e a cada episódio torcemos por sua felicidade.

Jules é o tipo de personagem que cativa o espectador assim que aparece, uma mulher trans forte e batalhadora, com sonhos e ambições, presa no subúrbio devido a separação de seus pais. Hunter Schafer dá vida à personagem, uma atriz maravilhosa que funciona muito bem ao mostrar que a HBO está preocupada em dar visibilidade a pessoas transgênero em suas produções, além disso a trama da personagem não funciona com base em preconceito, pelo contrário, o fato de ela ser quem é em nada afeta negativamente em sua narrativa, sendo na realidade algo irrelevante para seus colegas.

Dos personagens secundários, Kat é a mais interessante de todos, com trama própria, onde precisa trabalhar na auto aceitação, por ser gordinha, sempre teve problemas com seu corpo, além de sempre se sentir para trás com as amigas. Barbie Ferreira é uma excelente atriz, vemos a insegurança da personagem, nos colocamos no lugar dela e torcemos muito por sua independência.

Nate é o atleta, personagem obrigatório em séries adolescentes. Aparenta ser uma boa pessoa, ama sua namorada e a trata bem, mas em seu íntimo esconde segredos que deseja que ninguém descubra. É um personagem complexo, mas não somos envolvidos por ele, talvez por suas motivações parecerem fracas em meio a tantas outras mais complexas e estruturadas que a dele. Jacob Elordi apresenta uma atuação magnífica, o que ajuda um pouco o personagem, que depende de uma nova temporada para ter mais destaque.

Maddy é uma garota ambiciosa, que dá muito valor ao status que possui na hierarquia escolar, líder de torcida, namorada do quarterback, o relacionamento quase perfeito, se não fosse pelos constantes términos que ela e Nate passam, resultando em grandes espetáculos com a escola de platéia, mas sempre acaba voltando para ele, resultando num relacionamento abusivo. Alexa Demie tem consciência que sua personagem usa muito o corpo, seja para provocar ou conseguir o que quer, isso reflete em sua atuação e como a personagem é trabalhada durante a trama, egocêntrica e narcisista seriam dois adjetivos para a personagem, que vê oportunidade em cada passo que dá.

Seguindo com os personagens, temos o casal Cassie e McKay. Chris acabou de entrar na universidade com bolsa de futebol, possui traumas profundos em si que são revelados durante a trama, a pressão sobre seu futuro é o principal problema enfrentado por ele, mas tudo parece mudar quando conhece Cassie, com quem logo engata um relacionamento. A garota é extremamente passiva a seus namorados, sempre cedendo, sempre sendo usada, o que ocasionou uma certa má fama e alguns vazamentos de vídeos íntimos, tem sua vida alterada quando conhece o universitário e percebe que ele realmente se apaixonou por ela. Algee e Sydney (McKay e Cassie respectivamente) protagonizam cenas fortes e complexas, ambos os personagens cercados por traumas e tentando se entender no processo, mais dois atores magníficos deste elenco maravilhoso.

Fezco é o traficante que sempre vendeu a Rue, sua relação com ela é construída pouco a pouco, é perceptível a cada episódio que ele se preocupa mais com a garota, inclusive indo contra o seu trabalho para cuidar da garota. Angus Cloud realmente aparenta estar chapado em cada cena e faz, em muitas cenas, seu personagem ser a consciência de Rue, além de apresentar uma mini trama própria.

Por fim, a família da protagonista precisa ser citada, pois Nika King passou em cada uma de suas cenas uma mãe preocupada e temerosa pela vida da filha, demonstrando o amor dela, sendo invasiva para evitar que a filha volte para às drogas e protagonizando um dos monólogos mais marcantes da temporada. Storm Reid também não fica atrás, dando vida a Gia, a irmã mais nova de Rue, por quem possui uma admiração infinita. Por mais que não demonstre, a personagem de Zendaya possui um amor e cuidado enormes por sua família, inclusive evitando, várias vezes, que sua irmã siga o mesmo caminho que ela.

Respondendo a pergunta feita acima, sim, Euphoria segue um caminho diferente das séries citadas. Trabalhando muito mais em mostrar como os traumas e problemas podem afetar negativamente os jovens, a série caminha para mostrar o mundo destrutivo que cerca todos. O enredo cresce em cima disto a cada episódio, chegando a seu apogeu no último episódio e deixando o espectador extasiado. A fotografia é belíssima, trabalhando as luzes com maestria e dando um ar misterioso para a trama, os efeitos visuais são usados para incrementar as cenas e auxiliar na imersão do espectador, principalmente nas cenas em que aparece drogada, fazendo com que todas funcionem bem. Completando tudo está a trilha sonora, que faz com que tudo se encaixe, transformando Euphoria em uma experiência completa sobre a ruína que os entorpecentes trazem.

Contando com 8 episódios, a primeira temporada foca em problemas complexos como ansiedade, depressão, sexualidade e aceitação, a cada episódio compreendemos um pouco mais os personagens, o enredo faz com que nenhum problema seja maior que o outro e mostra que apenas quem passa por isso sabe o quanto é difícil lidar com tudo, ainda mais em uma fase onde as mudanças hormonais afetam significativamente todos os aspectos da vida.

Euphoria se destaca em relação às demais séries principalmente por não romantizar os problemas, aí está o grande feito dos produtores, apresentar a verdade crua, que cada ação ruim gera uma cadeia de ações ruins, num ciclo vicioso e que precisa ser quebrado.

 

Graduado em Biológicas, antenado no mundo geek, talvez um pouco louco mas somos todos aqui!

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