Resenha | Trocas Macabras

Nota
4

“Você já esteve aqui. Claro que esteve. Com certeza. Eu nunca me esqueço de um rosto.”

Castle Rock é uma cidade como muitas por aí, onde pessoas ficam esquentadas por coisas cotidianas, guardam seus segredos bem escondido e comentam a vida alheia como se não houvesse amanhã. E, como toda cidadezinha, tem sua cota de bizarrices sem explicação, uma sucessão de histórias sinistras para animar um ocasional dia tedioso.

Mas nenhuma dessas histórias se equipara à chegada da nova loja da cidade. A Artigos Indispensáveis tem uma maneira peculiar que ninguém sabe explicar direito. Talvez seja pelos seus itens curiosos, ou por seu simpático e sinistro dono, Leland Gaunt, um homem que sabe conquistar seu público.

Para cada cliente que entra na loja, o senhor Gaunt tem o artigo perfeito – um objeto magnifico e único que condiz com o sonho de seu comprador, tornando-o o sonho de consumo daquele que pousa os olhos em sua mercadoria. O preço? O que estiver em seu bolso e um pequeno favor a ser cobrado depois.

O grande problema é que essas brincadeiras aparentemente inofensivas começam a desencadear uma serie de eventos desastrosos, que levam a cidade a beira do caos. Mas esse seria um preço pequeno a se pagar ao conseguir seus desejos mais profundos, não seria?

Castle Rock é uma peça central no rico universo de Stephen King. A cidade já foi o palco de inúmeras de suas obras, sendo revisitada com cuidado e ganhando não só os leitores mas o respeito e espaço necessário dentro da mitologia do autor. Não é a toa que, quando foi anunciada a conclusão de sua história através de um novo romance, tenha causado tanto rebuliço entre os fãs, embora hoje em dia saibamos que não é realmente assim.

Escrito em 1991, Trocas Macabras marcava não só o suposto fim do Ciclo Castle Rock como a volta do autor Stephen King à literatura que, após um período de reabilitação em seus vícios, retornava a seu habitat natural. Com uma escrita fascinante, o autor nos mergulha, novamente, na visão cotidiana da cidadezinha que tanto conhecemos, criando um sentimento nostálgico de reconhecimento que desperta ainda mais nosso interesse ao longo da narrativa.

Visando encerrar seu arco, King não poupa citações e spoilers de outras obras conhecidas, exigindo um conhecimento prévio do público, mas não prejudicando o andar da narrativa. Obras como A Zona Morta, Cujo, O Corpo e A Metade Sombria tem seus acontecimentos inteiramente ligados a nova jornada, servindo como auto referência em uma cidade que não esqueceu seus problemas mas aprendeu a lidar com eles.

Mas, se ao mesmo tempo King sabe como conduzir com sua narrativa, despertando nosso interesse com o efeito de gás ligado, ele nos perde pela repetição excessiva de certas situações. O autor constrói bem seu ponto de vista, mas constantemente cria ensejos narrativos para provar o mesmo ponto, causando uma fadiga literária que poderia facilmente ser encurtada ao trazer personagens sem tanta profundidade, apenas para servir como um meio para seu derradeiro final.

Não é de se surpreender que, em certos momentos, a narrativa entre no modo automático, pouco nos ligando a sua condução ou até mesmo as personas ali apresentadas, o que acaba sendo um dos maiores erros do livro. Mas, se em alguns casos pouco nos importamos com o que acontece, em outros somos tragados pela riqueza apresentada, o que demostra que, quando focado, King sabe mesmo como brilhar.

Boa parte disso está em seu elenco principal, e na riqueza de detalhes da cidade como um todo. Conseguimos compreender a magnitude e fragilidade do local, nos tornando tão pertencentes a ele quanto seus habitantes. Castle Rock ganha vida diante de nossos olhos em seus pequenos detalhes, se tornando tão importante para nós quanto qualquer um dos personagens apresentados.

Alan Pangborn e Polly Chalmers ganham o protagonismo da narrativa, trazendo um desenvolvimento maravilhoso que aprofunda ainda mais nossos laços afetivos. Alan é um velho conhecido dos fãs de King, sendo uma forte presença na cidade e nos colocando em um local de conforto e reconhecimento. Não é a toa que sua presença seja tão reconfortante e acolhedora, e que seu desenvolvimento pareça tão natural a quem já acompanhou sua jornada anterior.

Nesse novo capítulo, Alan se mostra traumatizado por acontecimentos recentes de sua vida, ao mesmo tempo que começa a aceitar que certas coisas estão além da sua compreensão. O xerife do condado tenta manter a ordem natural das coisas, mesmo que isso exige muito mais do que é necessário. Alan é cativante e consegue prender nossa atenção, se tornando alguém fácil de acompanhar e torcer durante a narrativa.

Polly é tão magnifica quanto seu namorado. A dona de uma loja de costura sofre com uma séria artrite, que lhe causa dores descomunais, mas, mesmo em seus piores dias, a moça tenta deixar todos confortáveis ao seu redor. Nascida e criada na cidade, Polly passou um tempo fora e, mesmo retornando a seu antigo lar, ainda é vista como forasteira por muitos locais. Ela ainda esconde um obscuro segredo, que tenta afastar de todos que a conhecem, o que a leva a uma saída perigosa que pode trazer uma ruina inimaginável a todos que a cercam.

O livro ainda apresenta outros lapsos formidáveis, que conquistam os leitores com suas camadas. Brian Rusk, Nettie Cobb, Wilma Jerzyck, Dan “Buster” Keaton, Norris Ridgewick e Ace Merrill (outro antigo conhecido dos fãs de King) povoam as páginas e trazem boas dinâmicas à narrativa. Mas nenhum deles se equipara a Leland Gaunt.

O dono da Artigos Indispensáveis é a personificação da cobiça humana. Sádico, sedutor e extremamente charmoso, o ser ancestral traz aquilo que cada um deseja, de uma maneira que apenas ele saia com o lucro final. Ele conduz a narrativa como um jogo macabro, testando as ligações de seus favores apenas para fortalecer a extensão de seus contatos sinistros, demostrando um poder de persuasão avassalador que o coloca em disputa com grandes antagonista sobrenaturais do autor.

Após anos sendo considerado um artigo raro e comercializado por preços absurdos, o livro retorna as prateleiras nacionais através do selo Biblioteca Stephen King na qualidade exemplar que já conhecemos. A capa dura emborrachada traz um trabalho magnifico, que chama diretamente nossa atenção, mas é em seu conteúdo que a obra verdadeiramente brilha.

A tradução recaiu sobre as hábeis mãos de Regiane Winarski, uma conhecedora do universo de King, que traz um trabalho primoroso e digno de nota apresentando a melhor versão possível da obra para um público tão exigente quanto o nosso. A Suma ainda nos presenteia com um mapa local, nos situando dentro do ambiente que conhecemos e nos transportando diretamente para suas ruas tão descritivas de uma maneira magnifica.

Explorando a crueldade da natureza humana, Trocas Macabras demostra que nosso pior inimigo pode estar em nosso desejo mais intimo. Embora possua sim seus problemas, o livro cumpre bem seu papel e nos conquista aos poucos com uma “finalização” digna para uma cidade tão emblemática quanto Castle Rock. Sim, você já esteve aqui e nunca foi tão maravilhoso retornar ao lar.

“Na verdade, é o lugar de todo mundo no mundo, porque todo mundo adora uma barganha. Todo mundo ama ter uma coisa por nada… mesmo que custe tudo.”

 

Ficha Técnica
  Livro Único

Nome: Trocas Macabras

Autor: Stephen King

Editora: Suma de Letras

Skoob

Preso em um espaço temporal, e determinado a conseguir o meu diploma no curso de Publicidade decidi interagir com o grande público e conseguir o máximo de informações para minhas pesquisas recentes além, é claro, de falar das coisas que mais gosto no mundo de uma maneira despreocupada e divertida. Ainda me pergunto se isso é a vida real ou apenas uma fantasia e como posso tomar meu destino nas minhas mãos antes que seja tarde demais...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *