Resenha | Rádio Silêncio

Nota
5

“Olá,
Espero que alguém esteja me ouvindo.”

Frances Janvier sempre teve seu objetivo bem definido: entrar em Cambridge, uma faculdade de elite, onde, enfim, poderá ser aquilo que sempre planejou ser, conseguir o emprego dos sonhos e ser bem sucedida na vida. Para isso, ela virou uma máquina de estudo, que não deixa nada atrapalhar seu caminho. Nem seus amigos, nem sua rotina exaustiva, nem o grande segredo que guarda a sete chaves e, muito menos, a pessoa que ela é de verdade.

Mas tudo muda quando ela conhece Aled Last, um rapaz introspectivo e inteligente que, por acaso, está por trás do seu podcast favorito: o misterioso Universe City. Ao se aproximar do garoto, Frances conhece um novo tipo de liberdade, abrindo a porta para o seu verdadeiro eu e podendo enfim ter a experiência de uma amizade real que não a jugará por ser quem ela é… Até que a confiança entre os dois é quebrada.

Presa em quem era e quem gostaria de ser, Frances tenta reestruturar sua vida, enquanto observa todos os seus sonhos desmoronarem diante de seus olhos. Sufocada pela culpa e atormentada pelo remorso, ela precisa tomar coragem e confrontar o seu passado, enfrentando seus próprios demônios e aceitar o real motivo para Carys, sua antiga amiga, ter desaparecido de sua vida.

“Fico me perguntando… se ninguém está ouvindo minha voz, estou fazendo algum som?”

Após o sucesso estrondoso de seu primeiro romance, Alice Oseman conseguiu chamar a atenção do público, atraindo os olhos para seu charmoso texto que abordava temas pesados que precisavam ser debatidos. Mas, o que estava ausente em seu primeiro livro, se mostra abundante na segunda história do seu universo: um cuidado primoroso para os assuntos levantados pela obra.

Embora seja apenas o segundo livro da autora, Rádio Silêncio já demostra um amadurecimento visível. O primeiro sinal é o cuidado redobrado que a autora tem com os temas retratados, o que se mostra preciso no desenvolvimento e aprofundamento de seus personagens. Com o texto sendo narrado em primeira pessoa, a autora consegue mergulhar na psique de seus personagens, trabalhando bem seus dilemas e nos ligando profundamente a suas personas, o que nos deixa encantados a cada nova virada do enredo. Cada dúvida, desejo e medo é trabalhado de maneira magistral, os tornando tão próximos do leitor que parecem velhos amigos sendo representados.

Alice ainda aproveita a época conflituosa do fim do ensino médio para explorar as constantes exigências sociais impostas aos estudantes, que os forçam a escolher seu destino em uma idade tão confusa. O peso de definir seu futuro traz discussões interessantes à trama, nos fazendo questionar o quanto perdemos ao tentar nos encaixar naquilo que é idealizado.

Até mesmo nossos sonhos, tão mutáveis, parecem um fim de linha, nos trazendo a eterna sensação de urgência que nos consome em uma idade que já parece complicada por si só. É aí que Alice introduz os diferentes tipos de liberdade, mostrando novas opções que indagam aqui o que é imposto aos personagens em seus caminhos, o que os torna ainda mais humanos ao longo da narrativa.

Oseman constrói dois protagonistas solitários e esquisitos socialmente, que encontram um no outro uma maneira de serem quem são. Frances esconde muito de sua personalidade para se encaixar naquilo que ela acredita ser necessário, criando duas personas distintas que são um conflito constante entre si. A Frances escolar nunca se diverte e pouco interage, enquanto a verdadeira Frances é divertida e criativa, abraçando um lado mais artístico e dinâmico.

Mas, mesmo esse segundo lado é repleto de segredos e receios. Aos poucos a garota começa a aceitar melhor sua personalidade, libertando-se de suas amarras enquanto para de se preocupar tanto com o que esperam dela. Aled, por outro lado, traz um caminho mais introspectivo que desperta nosso interesse imediato.

Sendo um velho conhecido para os fãs da autora, já que ele se encontra presente em outra obra adorada da mesma, Aled ganha novas camadas, o que nos permite conhecer ainda melhor um personagem que já amamos. É gratificante entender mais sobre ele, perceber seus dilemas e vivenciar parte de seus medos, trazendo um aprofundamento preciso que engrandece ainda mais a sua persona tão cativante.

Ele é doce, tímido e retraído, mas ganha um novo aspecto ao soltar sua voz como Rádio, se transformando completamente enquanto coloca para fora o que está escondido atrás de sua voz baixa. Essa dualidade entre os protagonistas se prolonga para outros aspectos de suas vidas, trazendo questões interessantes, o que reflete até mesmo na sua maneira de se relacionar com o mundo.

Boa parte disso se deve a família de cada um, o que levanta outro ponto sobre relacionamentos tóxicos e destrutivos que criam um paralelo latente entre ambos. As bizarrices assustadoras e a idealização do futuro perfeito para os filhos causa marcas profundas, ainda mais quando tais comportamentos são acompanhadas de uma carga passiva agressiva que torna tudo pior.

A obra ainda nos presenteia com os magníficos Daniel Jun e Raine Sengupta, que proporcionam ótimos elementos à trama. Estudioso e concentrado, Daniel é o rival natural de Frances. Mas, embora pareça muito fechado, o rapaz esconde uma insegurança latente além de um desejo profundo em se provar melhor do que já é. Quando conhecemos melhor sua personalidade, ficamos encantados, o que se mostra uma evolução maravilhosa dentro da história.

Raine é extrovertida no melhor sentido da palavra. Sua presença balanceia bem com a quietude de Frances, tornando-as uma boa dupla de amigas. Embora demore a ganhar destaque na trama, quando o faz nos conquista a cada segundo, demostrando a ótima construção que a personagem tem ao longo da narrativa.

E por falar em acertos, o livro possui uma maneira doce de trazer sua representatividade, explorando toda a insegurança de entender mais sobre si mesmo, encontrando sua voz sem necessariamente precisar rotular aquilo que você é. É extremamente respeitoso como cada personagem tem seu próprio tempo, trazendo um reconhecimento natural que se engrandece com a história e traz questionamentos oportunos, que abrem ainda mais a visibilidade para outros aspectos dentro da própria bandeira. Outro acerto magnífico, Alice. Obrigado.

Seguindo o mesmo padrão da edição britânica, o volume lançado pela Rocco aposta nos tons pastéis que chama a atenção e criam um conforto visual logo de cara. A capa ainda traz aspectos simplista que se tornam extremamente cruciais ao longo a narrativa, nos convidando a conhecer ainda mais do seu conteúdo. Mais um acerto editorial que não pode passar despercebido.

Embora seja uma trama profunda e bastante dolorosa em vários pontos, Rádio Silêncio consegue trazer uma doçura impecável que nos encanta desde o primeiro parágrafo. Seja pelo respeitoso cuidado da autora, ou até mesmo pelos seus personagens cativantes, o livro é um verdadeiro acerto ao retratar a adolescência e seus dilemas. Afinal, nunca é tarde para encontrar sua própria voz e, quando ela finalmente é achada, nada mais pode te calar.

“(…) Não posso contar quem sou. Por favor, me chame… por favor me chame apenas de Rádio. Rádio Silêncio. Afinal, sou só uma voz numa rádio, e pode ser que ninguém esteja ouvindo.”

 

Ficha Técnica
 

Livro Único

Nome: Rádio Silêncio

Autor: Alice Oseman

Editora: Rocco

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Preso em um espaço temporal, e determinado a conseguir o meu diploma no curso de Publicidade decidi interagir com o grande público e conseguir o máximo de informações para minhas pesquisas recentes além, é claro, de falar das coisas que mais gosto no mundo de uma maneira despreocupada e divertida. Ainda me pergunto se isso é a vida real ou apenas uma fantasia e como posso tomar meu destino nas minhas mãos antes que seja tarde demais...

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