Resenha | Dolores Claiborne

Nota
5

“Quero que anote cada palavrinha, começando com isto: vinte e nove anos atrás, quando o chefe de polícia Bissette aqui estava no primeiro ano e ainda comia meleca, eu matei o meu marido, Joe St. George.”

Durante décadas, Dolores Claiborne trabalhou como empregada doméstica para Vera Donovan, uma milionária tempestuosa que vive em uma mansão na pequena ilha de Little Tall, no Maine. Determinada e tendo três filhos para criar sozinha, Dolores enfrentou todas as vontades da patroa e, ao contrário das suas antecessoras, ela conquistou a confiança e a estabilidade que poucos conheciam em Vera.

Mas, após a morte da Sra. Donovan em um acidente domiciliar, todas as suspeitas recaem sobre a funcionária. Sentada em um interrogatório, Dolores decide fazer a confissão de sua vida. Ela começa a narrar sua trajetória, revelando segredos escondidos em seu coração, sobre um crime misterioso que aconteceu vinte nove anos atrás.

“Às vezes, a gente precisa ser muito filha da puta pra sobreviver”, disse ela. “Às vezes, ser uma filha da puta é a única coisa que uma mulher tem pra se agarrar.”

Originalmente, Stephen King tinha como objetivo lançar uma antologia com dois contos que seriam ligados por um único evento: o Eclipse Total Solar. Evento esse que marcaria a vida de duas mulheres, que nunca se encontrariam na vida, mas teriam assuntos pesados para lidar ao sair do eclipse. Acontece que os contos cresceram mais do que deviam, e se mostraram tão diferentes que precisaram ganhar jornadas separadas para seu crescimento.

O primeiro deles se tornou Jogo Perigoso, um livro claustrofóbico sobre uma protagonista presa em uma situação agonizante, forçada a encarar seus traumas para sobreviver a um terror que nunca imaginou em sua vida. O segundo, se tornaria um livro sobre uma mulher, centrada na sua narrativa até chegar a seu limite. Esgotado no Brasil por décadas, Dolores Claiborne (originalmente lançado aqui como Eclipse Total) é um dos livros mais fascinantes e imersivos do Mestre do Horror.

Narrado em primeira pessoa, o livro não possui capítulos, sendo escrito como uma datilografia do depoimento de sua protagonista, onde só sua voz é encontrada. Até mesmo as perguntas que ela responde são cortadas da narrativa, nos fazendo mergulhar de cabeça na história e enxergarmos com clareza aquilo que ela deseja nos contar.

King consegue deixar sua voz de lado e dar espaço para que Dolores conte sua própria história, demostrando que a personagem tem uma personalidade tão marcante que parece que ela própria escreveu cada palavra aqui inserida… ou melhor, ditou cada uma delas.

Dolores explora as várias fases de sua vida, construindo uma narrativa irregular que liga pontos de sua trajetória e o que a levou até ali. Ela deixa claro desde o início que certos acontecimentos não são importante, mas a motivação e as suas consequências são os que realmente interessam. O depoimento de Dolores ainda nos coloca em um ponto de reflexão, sobre como a mentalidade social do papel das mulheres, assim como a máscara que essa mesma sociedade escolhe colocar ao ser enfrentada com o abuso e o machismo sofrido por elas, o que, infelizmente, não mudou tanto desde o lançamento do livro.

Dolores é forte e obstinada, tomando a frente em decisões difíceis enquanto tenta lutar com as armas limitadas que a sociedade lhe proporcionou. Não é incomum que vários personagens, principalmente masculinos, a considerem burra e incapaz, apenas para descobrirem que ela está muito longe disso.

Vera, por sua vez, tem seu próprio modo de se impor socialmente. Dominadora e inflexível, a patroa tem suas manias irritantes que nos fazem detestá-la logo de cara, apenas para descobrimos as diferentes camadas que ela guarda através de sua arrogância. Sua relação com Dolores mescla um respeito mútuo com um ódio abrasivo, que despertam uma confiança constante de ambos os lados.

Dolores e Vera passam a depender uma da outra, o que é explorado de maneira sutil ao longo da narrativa. Conforme avançamos, conseguimos entender a força dessa ligação e o significado que ambas retém sobre o que aquilo representa, assim como a admiração mutua sobre a força e o poder que cada uma delas possuem em suas respectivas escolhas. Um acerto enorme do autor.

A editora Suma nos presenteou com um retorno triunfal da obra, trazendo um verdadeiro deleite aos fãs. O livro entra no selo Biblioteca Stephen King, ganhando uma edição em capa dura com uma nova tradução da brilhante Regiane Winarski, que não cansamos de enaltecer neste site. Assim como os anteriores, a obra ganha um conteúdo extra, que engrandece ainda mais a leitura da narrativa (dessa vez, o leitor é presenteado com ilustrações impecáveis que nos fazem revisitar momentos chaves da história).

Emocional e intenso, Dolores Claiborne traz uma exploração profunda sobre as modalidades sociais e os diferentes níveis de abusos a qual as mulheres são submetidas. Dolores se torna uma personagem memorável do autor e, assim como Jessie em Jogo Perigoso, consegue nos prender a cada segundo da narrativa. Não é difícil imaginar a ligação das personagens e entender que, apesar de passarem pela rota do eclipse, elas conseguem emergir da escuridão de uma maneira impecável. Afinal, até a mais sombria das escuridões tem um fim.

“No fim, são as filhas da puta do mundo que permanecem… e, quanto às bolinhas de poeira: vão se foder!

 

 

Ficha Técnica
 

Livro Único

Nome: Dolores Claiborne

Autor: Stephen King

Editora: Suma de Letras

Skoob

Preso em um espaço temporal, e determinado a conseguir o meu diploma no curso de Publicidade decidi interagir com o grande público e conseguir o máximo de informações para minhas pesquisas recentes além, é claro, de falar das coisas que mais gosto no mundo de uma maneira despreocupada e divertida. Ainda me pergunto se isso é a vida real ou apenas uma fantasia e como posso tomar meu destino nas minhas mãos antes que seja tarde demais...

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