Resenha | As Coisas que Perdemos no Fogo

Nota
4.5

Nosso dia-a-dia nem sempre é tão puro, personagens e lugares aparentemente comuns ocultam um universo insólito, e é isso que vemos nessa coletânea de  doze narrativas, doze contos independentes que tem apenas uma coisa em comum: usar o medo e o terror para explorar várias dimensões da vida contemporânea.

Você talvez não perceba, mas sua vida pode ser emocionante, macabra e até perturbadora, ao seu redor pode haver meninos sendo assassinados, garotas arrancando unhas e cílios durante a aula, adolescentes fazendo pactos, mulheres ateando fogo em si mesma para protestar, casas abandonadas, assombrações, bruxas, e tantas coisas mais. É disso que o livro trata, de coisas tão surreais de se acontecer, mas que são comuns a nossa vida sem que vejamos.

Em O MENINO SUJO, temos uma mulher que vive no perigoso bairro de Constituición e que tem como vizinhos de porta uma pequena família de mendigos, uma mulher gravida e seu filho pequeno, que vivem na calçada, mas um certo dia a vida dessa mulher muda, o garoto pede ajuda após o sumiço de sua mãe e logo depois de encontra-la desaparece de vez, alguns dias depois uma menino é encontrado degolado e tudo recai sobre as costas de nossa protagonista, que sente a morte do Menino Sujo e precisa desesperadamente descobrir se ele é o Menino Degolado.

Em A HOSPEDARIA temos Florencia e Rocío, duas jovens garotas que vivem em Sanagasta e resolvem pregar uma peça em Elena, a antiga chefe do pai de Rocio, e acabar com a hospedaria que a mulher é dona, mas a noite da travessura trará uma experiencia tenebrosa para as meninas, mostrando que sempre se deve ter cuidado ao invadir um antigo colégio militar da época da ditadura.

Em OS ANOS INTOXICADOS temos uma viagem que começa em 1989 e segue regada a diversas drogas até 1994, e vamos acompanhando as viagens bêbadas, narcóticas e bruxas que envolve o trio de amigas: Andrea, Paula e nossa protagonista. Em A CASA DE ADELA temos o mistério de uma casa amaldiçoada que logo desperta o espirito aventureiro em Adela e Pablo, mas talvez explorar a casa liberte sobre os dois jovens um destino terrível. Com PABLITO CLAVÓ UN CLAVITO, conhecemos um guia que acabou de ser promovido para o tour dos crimes, um passeio pelos cenários dos mais sinistros assassinatos de Buenos Aires, mas tudo muda quando ele vê o Baixinho, um dos astros do tour, mas que morreu há décadas.

Passamos por TEIA DE ARANHA, um conto onde vemos uma garota e seu namorado insuportável, Juan Martin, eles vão a Corrientes visitar os tios da moça, e acabam saindo numa tarde de lazer com Natália, a prima da protagonista, comprando lembranças do Paraguai, o problema é que o caminho da volta reserva uma perda, ou melhor, um desparecimento. FIM DO CURSO vem para nos aterrorizar completamente quando vemos Marcela, uma garota estranha que anda tendo problemas sérios, vendo coisas e isso está fazendo ela ficar com fama de louca na escola, o problema é: Será que realmente a garota tem problemas mentais ou tem um espirito tenebroso a assombrando?

Vamos para NADA DE CARNE SOBRE NÓS, um lindo romance entre uma garota e Vera, o cranio humano que ela encontrou numa rua e acabou se apegando, se apegando até demais. O QUINTAL DO VIZINHO brinca com nossa sanidade, temos um vizinho criminoso, que guarda carne podre na cozinha, uma casa caótica e um garoto acorrentado no quintal, o problema é que Paula, nossa depressiva protagonista, é a unica que presenciou tudo isso, será real ou será alucinação? Com SOB A ÁGUA NEGRA vemos a promotora Pinat investigando um caso de desaparecimento, um caso onde policiais são acusados e cabe a ela provar que eles são culpados de jogar dois jovens favelados nas águas tóxicas do Riachuelo, o problema é que ela ainda não sabe todos os segredos que a favela e o rio guardam.

VERDE VERMELHO ALARANJADO trata de uma relação virtual, Marco está trancada a anos dentro do seu quarto, desde que começou a pirar com o uso de antidepressivos, e agora se isolou passando a falar com nossa protagonista, sua melhor amiga/ex-namorada, apenas por um chat de web, um lugar onde o único sinal de vida é um bolinha verde do online, mas uma conversa acaba fazendo a garota sentir que logo logo verá uma bolinha cinza. E para fechar com chave de ouro temos AS COISAS QUE PERDEMOS NO FOGO, conto que batiza o livro e fala sobre a violência contra as mulheres, de inicio temos casos de homens que abusam de suas mulheres, destilando sua raiva ao incendia-las enquanto dormem, mas esses casos viram o jogo quando surge as “mulheres ardentes”, um grupo de mulheres que, como protesto contra a violência contra a mulher, passam a atear fogo em si mesmas para expor em seu corpo a dor que empaticamente sente, mas esse protesto começa a ter cada vez mais adeptos, dezenas, centenas de mulheres queimadas.

O livro vem mostrando que Mariana Enriquez é realmente a voz da geração nascida durante a ditadura militar na Argentina, ela é corajosa e surpreendente, tratando de um assunto tão delicado quando o lado negro dentro de todos nós e os inexplicáveis misticismos, que nos deixam sem saber o que é real ou não. Ela dá voz aos seres socialmente invisíveis, que vivem com o peso da culpa, da compaixão, da crueldade e da simples convivência, um universo povoado por pessoas comuns e ao mesmo tempo estranha, relatos tão familiares que nos fazem refletir sobre o mundo em que vivemos, onde o mal existe em nós e muitas vezes nem notamos.

 


HOST LENDO O MUNDO
Argentina
Ficha Técnica
 

Livro Único

Nome: As Coisas que Perdemos no Fogo

Autor: Mariana Enríquez

Editora: Intrínseca

Skoob

Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.

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