Resenha | A bruxa não vai para a fogueira neste livro

Nota
2.5

“Para a garota em chamas.
Obrigada por me inspirar a delicadamente inflamar o mundo.
Você pode ter um vestido de fogo, mas esse mesmo fogo corre em minhas veias.”

Ser uma Bruxa não precisa ser ruim, bruxas são a imagem ancestral da figura feminina naturalmente poderosa e independente, e é dessa forma que Amanda Lovelace tenta ir a fundo com sua fusão de opiniões cítricas com o lirismo poético, que garantiu sua fama em A princesa salva a si mesma neste livro.

O livro já começa de forma inusitada, anunciando que teremos de ser fortes para encarar “abuso de crianças, abuso cometido por um parceiro, estupro, distúrbios alimentares, trauma, morte, assassinato, violência, fogo, menstruação, transfobia & mais”, e logo depois destilando a raiva que existe no coração de toda mulher que já sofreu os perigos da vida, libertando o fogo que queima dentro de cada bruxa que já foi incendiada pelo sistema machista que existe no mundo.

“sou a mulher com o coração incendiário sobre a qual todos os seus pais lhe advertiram”

O livro nos instiga desde suas primeiras páginas, quando nos apresenta duas profecias. A primeira profecia exalta a sobrevivência, mostrando que a história serve para mostrar que a tendência não é as “bruxas” sumirem, mas seu sangue se fortalecer e gerar cada vez mais descendentes, já na segunda temos um anuncio de força, mostrando que vai chegar um momento que as bruxas não vão mais queimar, que as adúlteras apedrejadas não vão mais sangrar e que as namoradas espancadas não vão mais se ferir, que os tempos estão mudando e que vai chegar o momento em que todas elas vão revidar.

Mas, ao contrario de seu primeiro trabalho, não vemos textos sobre relacionamentos abusivos, crescimento pessoal e autoestima, que traziam fatias da alma de Amanda a cada página, a sequencia fala sobre a união das mulheres contra as mais variadas formas de violência e opressão, o que acaba surgindo de uma forma impessoal, como se Amanda nunca tivesse vivido esses dilemas, como se ela fosse só uma observadora narrando relatos que ouviu, o que faz com que as, já cansativas, paragrafações excessivas se tornarem ainda mais doloridas, principalmente quando o conteúdo dos poemas se torna tão raivoso, nos levando a sentir a raiva que Amanda sentiu ao escrever cada verso mas nunca sentir a empatia que ela nos causou no seu trabalho anterior.

“Mas e se o demônio é apenas uma mulher que foi banida
para o inferno para alimentar as chamas como
castigo por ter enfrentado os homens?
– Lilith.”

Cada página se torna dolorosa, é dificil imergir nos poemas mórbidos do livro e não sair com ódio da sociedade, é dificil não acabar esse livro perturbador sem ter vontade de partir para cima do primeiro homem que aparecer na sua frente. Amanda sabe nos causar sentimentos, mas não se inserir nos problemas alheios, Amanda consegue nos fazer ser a princesa mas é praticamente impossível ser a bruxa. Amanda não é tão empoderada quanto tenta parecer, assim como a princesa que só salvou a si mesmo depois de ser queimada pelo dragão, a bruxa que não vai para a fogueira é apenas alguma mulher forte que desfila em nossa frente enquanto assistimos indignadamente o que a sociedade faz com ela. Fica claro no final que, apesar de sermos capazes de mudar a sociedade, nós não somos as bruxas e sentimos nojo dos homens que passaram pela vida dessa bruxa.

O livro segue o padrão de seu antecessor ao dividir a trama em quatro partes: Em “O Julgamento”, somos levados a ver a repressão dos caras dos fósforos aqueles que condenam as bruxas e jogam fósforos em suas fogueiras, aqueles que diminuem as mulheres e abusam delas, aqueles que as tratam como fracas e assim as tornam fortes; Em “A Queima”, somos forçados a assistir o sofrimento das mulheres, daquelas que lutam para agradar os homens e daquelas que são forçadas a fazer o que não querem para agradar os homens, daquelas que são forçadas a ser submissas pela força dos aldeões, aquelas que são ocas por dentro de tanto fazer regime para ser bonita para eles, aquelas que sorriem abertamente enquanto apanham de seus namorados pela sensação de lar ao lembrar dos dentes sendo quebrados por seus pais.

“Realizar os desejos dele não é o objetivo desta vida.”

Em “A Tempestade de Fogo” vemos as bruxas ancestrais surgirem para proteger suas filhas, impedindo os fósforos de tocar na fogueira, impedindo o fogo de lamber seus corpos e devolvendo aquela pequena chama, aparentemente inofensiva, para aqueles que a lançaram, mostrando que as mulheres podem ser fortes e podem ser suficientes a si mesmas, que não precisam se empoderar imediatamente, mas que hoje é o dia de começar a se transformar no melhor de si mesma. A trama se finaliza com “As Cinzas”, onde vemos o resultado do empoderamento, onde vemos o que resultou dos homens que bateram de frente com as bruxas poderosas que habitam a terra, onde vemos o resultado da inflamável resposta que elas deram a seus agressores, onde vemos a reação do que ouviram ao proferir as profanas cantadas, onde receberam o toque doloroso após o tatear improprio e não consentido, onde vemos como ficaram subjugados aqueles que quiseram queimar às descendentes das bruxas que morreram nas fogueiras sem esperar que elas inflamariam os colchões enquanto tinha suas bocas sendo tapadas e sem prever que elas saíram intactas do fogo enquanto eles queimavam ao estupra-las.

Amanda consegue fazer todo seu potencial ir ao lixo de uma forma deprimente com suas palavras, é horrível ler um livro tão escarnecedor sendo explicitado tão inadequadamente, sendo escarnecido a cada página, é inquietante ver um assunto tão delicado e tão necessário ser tratado com o cinismo irônico da autora. A autora que outrora usou suas ironias para nos fazer sentir a triste realidade da submissão perde sua mão ao tentar ironizar algo tão doloroso como o estupro e a violência doméstica, um assunto que não tem como ser ironizado sem nos fazer sofrer a cada palavra, sentir vergonha alheia e pena da péssima escolha da autora. No fim das contas, A bruxa não vai para a fogueira neste livro se torna um livro com uma temática espetacular, com uma proposta estupenda, mas uma execução desgostosamente escruciante.

“Posso não sobreviver aos fósforos, mas meu fogo de vadia vai sobreviver a todos eles.”

 

 

Ficha Técnica
 

Livro 2 – Série Women Are Some Kind of Magic

Nome: A bruxa não vai para a fogueira neste livro

Autor: Amanda Lovelace

Editora: Leya

Skoob

Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.

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