Crítica | Suspíria: A Dança do Medo (Suspiria) [2018]

Nota
5

Um resumo

Ousado, original e ambicioso, Suspíria: A Dança do Medo expande brilhantemente os conceitos do original com uma abordagem visual e temática completamente diferente – mas igualmente genial.

Nada é mais marcante em Suspíria, de 1977, dirigido pelo italiano Dario Argento, do que o seu expressivo e extravagante desenho de produção. Banhado por vermelhos saturados, verdes, roxos, azuis e amarelos, o longa é um exercício de atmosfera quase como um pesadelo colorido, sem contar com a sombria e carregada música eletrônica composta pelo próprio Argento em parceria com a banda de rock progressivo Goblin. Inspirado nessa obra icônica do terror,  Luca Guadagnino (Me Chame pelo Seu Nome) e o roteirista David Kajganich trazem a sua própria visão. A premissa permanece a mesma: uma jovem aspirante a dançarina vai até uma academia de dança em Berlim liderada por um grupo de mulheres misteriosas que são, na realidade, uma seita de bruxas. Suspíria: A Dança do Medo (2018), no entanto, parte do conceito sobrenatural desde o princípio para expandir a história e desenvolver a expectativa do público em relação aos horrores que estão por vir. E que horrores.

Do ponto de vista visual, os dois filmes não poderiam ser mais distintos; enquanto Argento concebeu sua fotografia em cores vibrantes e chamativas, influenciado pelo “Giallo” italiano, a nova versão é esteticamente fria, com tons cinzas e pastéis, e uso preciso da saturação (que, por contraste, provoca grande efeito sensorial). A direção de arte é igualmente minimalista, mas não menos poderosa, e transforma os halls e corredores da escola em ambientes realistas e opressores. Essa inversão radical no desenho de produção é justificável: seria um desperdício replicar um estilo que teve sua influência em um período distante. O elemento chave da mudança, no entanto, é a contextualização histórica do roteiro de Kajganich; este Suspíria se passa nos anos 1970, na Berlim oriental, trazendo o clima desesperançoso de sua época nos elementos técnicos – inclusive na melancólica trilha sonora composta pelo britânico Thom Yorke, vocalista da banda Radiohead.

Plenamente servido pela abordagem estética refinada – e claramente setentista -, o roteiro pode se espraiar em temas e utilizar os elementos fantasiosos de maneira bem mais evidente, criando muito mais símbolos visuais do que enigmas a serem revelados. Suspíria: A Dança do Medo, em outras palavras, está menos preocupado em desenvolver suspense através de perseguições no escuro e mais interessado em construir um forte senso de preparação para um clímax grandioso e escatológico. O terror propriamente dito se concentra na criação de momentos pontuais de grande choque gráfico, como na célebre cena em que um ensaio de dança leva a uma longa e dolorosa “tortura”. Além disso, enquanto em 1977 acompanhávamos a personagem de Jessica Harper descobrindo os segredos da academia, na versão de Guadagnino temos uma divisão complexa de protagonismo: a Susie, de Dakota Johnson, é vivida com um bom misto de inocência, mistério e atitude, interagindo perfeitamente com a imponente presença da Madame Blanc de Tilda Swinton (sempre impecável). Há também uma participação mais ativa da personagem Sarah, aqui interpretada pela ótima Mia Goth. E como elemento adicional à trama, o filme traz um psiquiatra que perdeu a esposa no holocausto e ficou intrigado com o desaparecimento de uma ex-aluna (Chloe Grace Moretz) da academia.

Ao longo de seus quase 150 minutos de duração, Suspíria se espalha em subtextos, desenvolvendo na mesma proporção sua influência do body horror – com cenas sangrentas e explícitas de violência – e a força das elaboradas (e excepcionais) sequências de dança; esses dois tópicos estão constantemente ligados, já que a coreografia representa acima de tudo o controle dos corpos. O contexto histórico revela-se, então, brilhantemente apropriado: pós-guerra, controle, manipulação, abuso de poder e, ao final, maternidade são peças que se fundem em perfeita harmonia no que é, indiscutivelmente, um dos mais originais e ambiciosos filmes de terror dos últimos anos, e uma das raríssimas refilmagens que superam o original.

De Recife (PE), Jornalista, leonino típico, cinéfilo doutrinador.

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