Crítica | Ritmo de Natal

Nota
3.5

“Eu acho que… Funk é funk, clássico é clássico, e os dois não se misturam.”

Depois de se conhecerem em uma festa, Mileny e Dante acabam se apaixonando. Mileny é uma conhecida cantora de funk, famosa pelo hit “Sentada Mortal”, e Dante é um dedicado violinista clássico, dois lados opostos do mundo da música, mas que decidem se unir para enfrentar essas diferenças. O primeiro grande desafio do casal acontece quando decidem passar o natal juntos, despistando suas famílias para comemorarem a sós. Eles então viajam para casa de campo da família de Mileny, mas quando o vôo dos pais de Mileny acaba não acontecendo, MC Barbatana e Mulher Damasco, duas lendas da antiga cena do funk carioca, se juntam ao casal para um natal completamente fora de controle, que se torna ainda mais caótico com a chegada de Inês, a mãe de Dante, que é uma pianista internacionalmente renomada.

Já é uma tradição termos uma série de especiais de natal sendo produzidos anualmente pela Globo, mas, nesse ano de 2023, uma redução parece ter acontecido, resultando em apenas uma produção original. Dirigida por Allan Fittermann (conhecido por comandar a direção artística de Quanto Mais Vida, Melhor e Mar do Sertão), Ritmo de Natal pode até possuir uma premissa interessante, mas possui apenas 96 minutos de duração e se apega demais aos padrões de filmes para TV/especiais de natal, perdendo a chance de ter um melhor desenvolvimento. O primeiro ato conta de forma extremamente acelerada toda a construção da relação de Mileny e Dante, prejudicando até a formação da base de cada membro da dupla protagonista. De certa forma, fica impreciso o tempo que passa do momento que os dois se conhecem até a fatídica comemoração de natal, criando uma base fraca para a produção, o que se torna uma pena considerando o elenco de peso e a boa premissa que o longa possui.

Clara Moneke, intérprete de Mileny, começa bem a construção do personagem, mas chega um momento do filme que fica difícil compreender o que ocorreu aos roteiristas para começar a descaracterizar a funkeira de uma forma tão massante. A Mileny que vemos na primeira metade do filme parece totalmente diferente daquela construída para metade final, como se é a cantora independente que nos foi apresentada fosse transformada em uma filha adolescente, que chega até a discutir com o namorado por conta da atitude arrogante da sogra, quando a presença Inês é muito mais culpa sua do que de Dante. Taís Araújo, por outro lado, é a grande estrela do filme. Sua Inês é muito bem construída de forma a se tornar uma vilã clássica, Taís consegue o grande feito de nós fazer a odiar com uma facilidade surpreendente, ao mesmo tempo que consegue criar pequenas piadas em meio à sua vilania. Infelizmente Isacque Lopes (Dante) acaba perdendo espaço em seu próprio filme para as duas atrizes, não conseguindo presença de tela e se tornando praticamente um mediador no embate entre sua mãe e a família de Mileny. Paulo Tiefenthaler, intérprete de Barbatana, surge como comando da parte cômica da produção, sendo a principal fonte de piadas, algumas delas de tiozão, mas sabendo sustentar bem humor. A subtrama vivida por Guthierry SoteroNina Tomsic, respectivamente o irmão de Mileny e a assistente pessoal de Inês, é outro dos elementos que acaba não chamando atenção em meio ao enredo, apesar de parecer uma boa escolha para o desenvolvimento do filme, que merecia mais destaque.

Com uma fórmula bastante brasileira, Ritmo de Natal parece um capítulo natalino de uma série ou novela, que poderia ser bem melhor se tivesse mais tempo de desenvolvimento ou se explorasse mais profundamente os arcos de cada personagem. A história de Mileny e Dante poderia facilmente ser transformada em uma série que trabalha o contraste entre uma celebridade do funk e uma promessa da música clássica, ironicamente uma premissa que deu muito certo há alguns anos e gerou a franquia Ela Dança, Eu Danço, mas que poderia ganhar um tempero brasileiro (trabalhando o contraste do funk com a música clássica ao invés da dança de rua com o balé). Cheia de referências ao mundo do funk e carregado com um debate sobre ser uma mulher preta nas diversas esferas da sociedade brasileira, a produção tinha tudo para ser um dos melhores especiais de natal da história da Globo, mas talvez falte na direção de Fittermann a capacidade de desenvolver uma boa história com o tempo tão curto, visto que é possível enxergar o tato e a capacidade técnica diretor em cenas preciosas como a conversa entre entre Mileny e Inês (uma cena que pode ser considerada um dos pontos mais altos do roteiro, principalmente pela intensidade emocional empregada nesse trecho) no penúltimo ato e a sequência que finaliza o filme, mas ao mesmo tempo dói ver o prejuízo que o enredo sofre pela necessidade da insistente propaganda patrocinada da Coca-Cola, levando até a uma cena onde, de forma extremamente gratuita, um caminhão da Coca-Cola é colocado em destaque só para fazer o comercial, uma cena que soa até desconexa do restante do filme.

 

Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.

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