Crítica | O Menino e a Garça (Kimitachi wa Dō Ikiru ka)

Nota
5

O anúncio de que o lendário Hayao Miyazaki ia sair de sua aposentadoria para fazer um novo filme pelo Studio Ghibli despertou todos os alertas dos aficionados pelas histórias maravilhosas que o incrível diretor sempre trouxe para as telas, mas dessa vez algo estava diferente: nenhuma sinopse, nenhuma entrevista sobre o conteúdo, nada além de um poster singelo e o título daquele que seria um dos mais fortes concorrentes para o Oscar de Melhor Animação em 2024. O Menino e a Garça é mais uma joia cinematográfica produzida pelo Studio Ghibli, isso é um fato incontestável, tendo a capacidade de cativar os espectadores com sua narrativa tocante e visual deslumbrante.

A história segue o jovem Mahito (Soma Santoki), um garoto em luto após a perda de sua mãe e que se muda junto ao pai para uma nova casa no interior do Japão, no decorrer da Segunda Guerra Mundial. No meio desse processo o garoto recebe a promessa de uma estranha garça-real (Masaki Suda) de que pode levá-lo a um lugar onde poderá encontrar sua mãe mais uma vez. Sob a direção habilidosa de Miyazaki, que utiliza partes da sua própria história para a obra, o filme transporta o público para um universo de imaginação e beleza, onde a magia da natureza se entrelaça com a jornada emocional dos personagens.

Um dos aspectos mais marcantes de O Menino e a Garça, assim como de todos os filmes do Ghibli é sua estética visual impressionante. Os cenários sempre tão ricamente detalhados e os designs dos personagens fantásticos e encantadores dão vida ao mundo mágico criado, proporcionando uma experiência visualmente deslumbrante. Cada cena é uma obra de arte por si só, com uma paleta de cores vibrantes e uma atenção meticulosa aos detalhes que mergulha o espectador em um universo de maravilha e encantamento.

Além da sua beleza visual, o filme também se destaca pela sua trilha sonora envolvente, que complementa perfeitamente a atmosfera mágica da narrativa. As músicas melódicas e emotivas criam uma conexão emocional com o público, elevando a experiência cinematográfica a um patamar ainda mais profundo. A combinação de imagem e som em O Menino e a Garça é verdadeiramente cativante, imergindo os espectadores em um mundo de sonhos e fantasia.

No entanto, é a profundidade emocional e temática do filme que o torna verdadeiramente memorável. Por trás de sua fachada fantasiosa, O Menino e a Garça aborda temáticas tão sensíveis quanto os processos de luto, amadurecimento, aceitação e a corrupção humana. A jornada de Mahito é uma incrível metáfora para a jornada natural de todo ser humano, repleta de desafios, descobertas, dores, acertos, erros e aprendizados importantes sobre si mesmo e as pessoas que o cercam.

Mesmo que ocorra toda construção para a identidade e personalidade do personagem principal o público ainda pode vir a sentir uma certa antipatia para com ele durante boa parte do filme. O que parece é que, quando se trata de dar o protagonismo para um personagem masculino, Miyazaki não consegue trazer o mesmo carisma que suas personagens femininas, tais como Chihiro, Sophie e até mesmo Ponyo. Entendam que não se está falando em ser um personagem alegre e ensolarado, até por não ser esse o intuito, porém em cativar o público da mesma forma que suas antecessoras e despertar um apego com o mesmo. O mesmo que o diga para o deuteragonista Garça, que deveria ser a contraparte dinâmica da dupla, mas ao contrário de personagens como Haku e Howl acaba por não brilhar tanto quanto deveria.

Em contrapartida, os secundários conseguem abrilhantar e cativar em tela com suas histórias de fundo próprias, como é o caso de Natsuko (Yoshino Kimura), tia e madrasta de Mahito que tenta a todo custo lhe dar suporte na nova vida e é parte da jornada do garoto. Outra personagem que merece seus créditos é a senhora Kiriko (Kou Shibasaki) pela quebra de expectativa que traz e, claro, todo o peso e imponência na história trazida pelo Tio-Avô (Shohei Hino). Cada personagem contribui para a riqueza e a complexidade do mundo do filme. O desenvolvimento dos relacionamentos entre os personagens é comovente de se assistir, adicionando uma camada adicional de emoção e significado à narrativa.

Em última análise, O Menino e a Garça é uma obra-prima do cinema de animação que continua o legado de excelência do Estúdio Ghibli, e que merece ser visto em sua língua original. Mesmo que o elenco da versão em inglês do filme traga um elenco de dublagem de peso como Robert Pattinson dublando a Garça, Christian Bale como Shoichi Maki (pai de Mahito), além de nomes como Mark Hamill e Willem Dafoe, a primeira experiência merece ser em japonês. O filme cativará os espectadores das mais variadas idades, trazendo uma experiência que deixará uma marca na alma do público, como todo bom filme deve ser.

 

Pernambucano, jogador de RPG, pesquisador nas áreas de gênero, diversidade e bioética, comentarista no X, fã incontestável de Junji Ito e Naoki Urasawa. Ah, também sou advogado e me arrisco como crítico nas horas vagas.

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