Crítica | Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes (The Hunger Games: The Ballad of Songbirds and Snakes)

Nota
4.5

“São as coisas que mais amamos que nos destroem.”
(Presidente Snow)

É difícil imaginar que até um grande vilão possua um passado e tenha, em algum momento, talvez, tido algum traço de humanidade. Ninguém nasce verdadeiramente mau e já no ápice da crueldade, todos podem ter tido algum evento ou trauma em algum momento de sua vida que o direcionou até o status que ocupa no imaginário popular. A humanização daqueles vistos como vilões não se trata de nada mais do que mostrar a outra face de um indivíduo que é apresentado de forma unidimensional, um único ponto de vista, mas que, como todos nós, tem um passado por trás de nossas ações presentes e futuras.

Essa breve introdução funciona como um resumo da importância de A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes, a magnífica adaptação do livro prequel do universo de Jogos Vorazes que chega aos cinemas no dia 14 de setembro. O filme conta uma parte da história daquele que seria o maior vilão, e causador dos males no universo distópico criado por Suzanne Collins, o presidente Corionalus Snow (Tom Blyth) antes de sua ascensão ao posto. O filme apresenta um Snow jovem, ambicioso e quebrado por conta de acontecimentos prévios que mantiveram sua família longe da grandeza de outrora, mas disposto a tudo para reerguer e melhorar tanto a sua vida quanto de sua prima, Tigris (Hunter Schafer) e sua tia-avó (Fionnula Flanagan). Durante o filme, somos apresentadas às duas facetas de Snow, de um lado temos Coryo, o primo e sobrinho amado e dedicado a família, o amigo leal de Sejanus Plinth (Josh Andrés Rivera), do outro temos Corionalus, o político, mentor e estrategista. A atuação de Tom Blyth nesse ponto é crucial e brilhante, sendo capaz de entregar completamente o que o personagem pede, transitando perfeitamente entre as duas faces do personagem.

Essa parte da vida de Snow é pautada pela 10ª edição dos Jogos Vorazes, ainda longe do que é mostrado na época de Katniss Everdeen, justamente por ele ser um dos grandes idealizadores e transformadores dos Jogos. Essa trama é mostrada ao tornar esse mesmo Snow um dos primeiros Mentores dos Jogos, responsável pela jovem cantora do Distrito 12, Lucy Gray Baird (Rachel Zegler), selecionada de uma forma ainda mais injusta do que ser sorteada para os Jogos, e assim sendo a introdução e epílogo na vida de Corionalus. A verdade tem que ser dita quanto a escalação de Zegler para esse papel e toda sua atuação no longa: ela é perfeita em tudo que se dispôs a fazer nele. Sua atuação e canto são sem dúvidas um dos pontos mais altos no filme, transpassando a personagem do livro de forma fenomenal.

Diversos outros pontos precisam ser levantados, e dois deles se chamam Viola Davis e Peter Dinklage, respectivamente Drª Volumnia Gaul, a grande responsável pelos Jogos Vorazes, e o Reitor Casca Highbottom da Academia. Viola é um monstro da atuação, e se encaixou perfeitamente nesse mundo, se deixando levar pela personagem e entregando tudo que era necessário para dar o ar de poder e insanidade que a Drª Gaul precisava. Dinklage por outro lado não entrega uma atuação ruim, muito pelo contrário, porém parece mais contida e, talvez pelo estilo do personagem, acabemos vendo ecos de um outrora Tyrion Lannister em alguns momentos.

O filme supre algumas lacunas que nos fazem verdadeiramente entender as ações de Snow, traumas que lhe foram deixados e onde sua loucura começa e termina. É também mostrado os primórdios e a separação de um Jogos Vorazes meramente punitivo para o complexo da sociedade do espetáculo que acaba se tornando no futuro, dando outra visão da ótica doentia e sanguinária pura e simples de quem acabou conhecendo logo nos 74º Jogos Vorazes. A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes é uma prequel muito bem vinda, que expande cada vez mais um dos universos distópicos mais interessantes da era moderna e que tem um potencial gigantesco.

 

Pernambucano, jogador de RPG, pesquisador nas áreas de gênero, diversidade e bioética, comentarista no X, fã incontestável de Junji Ito e Naoki Urasawa. Ah, também sou advogado e me arrisco como crítico nas horas vagas.

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