Crítica | Ferrari

Nota
4

“Se você entra em um dos meus carros… Você entra para vencer.”

Durante o verão de 1957, a vida de Enzo Ferrari encontra seus maiores desafios. Enquanto a falência persegue sua empresa, a morte de seu único filho legitimo, Dino Ferrari, vítima de uma distrofia muscular, desestrutrura de vez seu casamento com Laura Garello Ferrari, que também é sua sócia, o que o coloca obrigado a encontrar um novo sócio, que seja capaz de salvar financeiramente a empresa, ao mesmo tempo que luta para conseguir o reconhecimento ganhando a icônica Mille Miglia, a traiçoeira corrida de 1.000 milhas pela Itália, o que o faz levar seus pilotos ao limite. Recortando especificamente os anos de 1956 e 1957, o longa consegue ir fundo num dos periodos mais turbulentos da história de Ferrari e das corridas, já que a história do empresario cruza diretamente com as histórias de Alfonso de PortagoLina Lardi e do fim da Mille Miglia.

Tão turbulenta como a vida de Ferrari, foi o processo de construção do longa, que iniciou em meados de 2000 e já teve Christian Bale e Hugh Jackman no papel protagonista até que, em 2022, Adam Driver assumiu o papel e a STX Entertainment a produção, fazendo com que o longa finalmente acontecesse. Com um grande elenco, o filme dirigido Michael Mann sabe muito bem como avançar, deixando claro desde o inicio o ponto onde quer chegar e o quanto é denso entender os eventos que levaram até a grande tragedia do Mille Miglia. O evento que poderia salvar a empresa, precisa de vários elementos, e é esses elementos que o filme decide focar, nos apresentando as escolhas que definiram os carros e pilotos envolvidos na corrida, mas também nos levando por uma viagem para a vida pessoal de Enzo, nos apresentando a complicada vida que tinha com sua esposa, Laura, e a intensa vida que tinha ao lado de sua amante, Lina, além dos dilemas de perder um filho ao mesmo tempo que precisa ser um pai para Piero Lardi, seu filho bastardo (que demorou alguns anos para ter o direito de receber o sobrenome Ferrari), uma vida quadrupla para o empresario, já que além de equilibrar sua esposa e amante, ele ainda precisa dar conta de uma empresa fabricante de carros esportivos (sua esposa profissional) e sua equipe de automobilismo (seu verdadeiro amor). Diante de tamanho desafio, Driver entrega um trabalho elogiavel, traspondo com desenvoltura exemplar um Enzo duro, estrategista, mas ainda assim um homem de familia, tanto com a oficial quanto a extraoficial, e que está disposto a lutar incansavelmente pelos seus objetivos.

O longa consegue dividir bem os aspectos publicos e intimos da vida de Ferrari, e flui com minimas falhas na narrativa, algo que era inevitavel visto que o roteirista Troy Kennedy Martin e o escritor da obra que inspira o filme, Brock Yates, faleceram em 2009 e 2016, respectivamente. Enfrentando o desafio de seguir um roteiro sem muita possibilidade de alteração, Driver constroi um Enzo conciso e cativante, mesmo com seu jeito frio, o que surge como um contraponto para as duas mulheres em sua vida. Penélope Cruz entrega uma Laura inesperada, a atriz teve um trabalho hérculeo para aprender melhor sobre sua personagem, que pouco é conhecida e, apesar de ser sócia da Ferrari, foi relegada à sombra de Enzo, vivendo trancada em sua casa e sendo taxada por muitos como louca, o que fez a atriz se entregar ainda mais ao papel e procurar conhecer a mulher por trás da empresa, trazer para luz uma pessoa tão essencial para a história, e entregar um papel que chama muitissima atenção. Já Shailene Woodley soa deslocada no papel de Lina, ela tem camadas e vai sendo despida dos rotulos a medida que o filme avança, mas sua personagem parece tão esquecida e mal aproveitada que ela funciona muito mais para desenvolver a presença de Piero na vida de Enzo do que realmente para ser seu grande amor. O filme ainda marca a estreia do brasileiro Gabriel Leone no mercado internacional, que encarnando o grande Alfonso de Portago pode não ter muito tempo de tela, mas funciona bem no papel e entrega a intensidade necessária para uma figura tão importante nos eventos de 1957.

Pesado e objetivo, Ferrari dispensa o padrão de mostrar a ascensão à gloria do homem por trás do nome, mostrando um fatia mais controversa de sua história. A escolha de não ser uma história sobre Enzo no geral e sim focar em um recorte especifico de sua vida, quando a Ferrari está no impasse entre a falencia e o reconhecimento e o empresário está numa crise pessoal, onde tudo parece prestes a explodir, é excelente pra o longa, que ainda consegue tempo para entregar uma construção de personagem nas mãos de Driver de forma a ser capaz de agradar aos fãs da personalidade de Enzo Ferrari e aos que não estão muito familiarizados com o lendário empresário. Apesar de o drama ser o ponto forte do longa, as diversas cenas técnicas, que dão introdução didática ao público que pouco entende de  carros, de corridas ou da história do próprio Enzo Ferrari, acabam atrapalhando um pouco do enredo, criando conexões frágeis com a história em si e um visual menos trabalhado, que contrasta de forma incomoda com toda a entrega fotografica das cenas familiares e que exploram os dilemas internos do protagonista. Todo mundo é capaz de reconhecer o ícone do cavalo na lataria vermelha ou o glamour que acompanha tudo isso, mas sem rotular Enzo Ferrari como herói ou vilão, o longa decide mostrar um dos momentos mais controversos da vida do empresário.

 

Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.

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