Crítica | Estômago

Nota
5

Sexo é arte, e a gastronomia consegue ser os dois juntos. Estômago, dirigido por Marcos Jorge, é uma preciosidade do cinema brasileiro. O filme, de 2007, trata da vida de Raimundo Nonato (João Miguel), um trabalhador rural que vai para a cidade grande à procura de novas oportunidades. De primeira, ao entrar em um bar de esquina, ele começa a trabalhar como faxineiro. Entretanto, assim que o dono do estabelecimento nota o talento de Nonato para a cozinha, o coloca para fritar coxinhas e pastéis. Sua comida, assim, conquista tanto a mulher que vem a se tornar a sua amada, a Iria (Fabiula Nascimento), quanto o chefe de um conhecido restaurante italiano, o Giovanni (Carlo Briani).

Ao ser contratado pelo chefe italiano para trabalhar nesse estabelecimento mais elitizado, Nonato adquire diversos talentos para culinária, a sua maior paixão. Dessa forma, para além da sinopse, o filme traz uma quebra da linearidade temporal ao intercalar o presente com o passado do protagonista. Cenas dele na prisão, mostrando seus dotes culinários e na cidade grande trabalhando e vivendo uma relação amorosa, deixam o espectador bem intrigado. Esse, portanto, é um fator que o deixa vidrado até o final ansiando por descobrir o que é o presente, passado ou futuro, e o que lhe levou a estar preso. Ao mesmo tempo que se cria esse mistério, a obra é tão envolvente em todos os elementos. A centralidade da gastronomia representada enquanto uma arte erótica é algo feito com maestria, desde as falas às analogias imagéticas. O prazer de comer é totalmente relacionado ao prazer do sexo, e isso pode estar totalmente conectado com a noção de ganância e desejo, fontes principais para alguém conseguir adquirir poder. É dessa maneira, portanto, que a obra constrói um cenário em que o espectador jura que a narrativa é sobre ir atrás dos seus sonhos, trabalhar com o que ama, enfrentar obstáculos e vencer na vida, contudo ela toma um rumo completamente oposto.

Assim, enquanto temática principal que se encontra nas entrelinhas de cada cena de Estômago, pode-se perceber o quanto o diretor trabalha com a ideia de autoridade. Essa concepção, portanto, é encontrada na obra desde o início, pela forma que o dono do bar da esquina o trata, as cenas na prisão e até o fim do filme. Essa noção, portanto, pode ser até mesmo interpretada na relação que o protagonista desenvolve com Iria, tendo em vista a ideia de posse que adquire sobre ela. Envolvendo-se com a mulher mesmo sabendo que é uma trabalhadora sexual, Nonato não a suporta ver exercendo essa função, sentindo muita fúria decorrente dos ciúmes. Assim, vale destacar o quanto a impecável Fabiula Nascimento, que dá o seu nome nesse filme, entrega literalmente tudo nessa personagens com um perfil de femme fatale, tão envolvente, ganhando a atenção de qualquer espectador. A sua personagem é tão essencial na narrativa, por ser uma mulher que degusta tanto do prazer de comer, ao ponto de fazer de tudo para sentí-lo.

Dessa maneira, Estômago é uma pérola brasileira. O filme é completo, desde o roteiro, atuações, direção impecável do Marcos Jorge, direção de arte, fotografia, figurino e à todos os setores. O final é surpreendente e fechado, não restando dúvidas da relevância do cinema do Brasil. Estômago é o tipo de obra que deixa o público vidrado do início ao fim. É aquele filme que tudo nele é envolvente, incluindo a representação da brasilidade, deixando o espectador um tanto surpreendido, e com gostinho de quero mais. Estômago, portanto, prova a potencialidade do cinema brasileiro em trazer narrativas não convencionais, dignas de Óscar. Assim, para assistir Estômago é preciso literalmente ter estômago para lidar com tantas emoções e surpresas que essa obra pode trazer.

 

Estudante de cinema, pernambucana

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