Crítica | Click

Nota
4

O que você faria se tivesse a oportunidade de pular várias etapas de sua vida e enxergar o seu futuro com um simples controle remoto? Enquanto alguns desejam voltar ao passado e consertar erros, outros procuram seu destino e ter a chance de mudar seu presente. A real é que, independentemente da temporalidade, muitos mantêm pendências não resolvidas e um mero desejo pode reverter tudo isso – para o bem ou para o mal.

Na comédia dramática “Click” (2006), Frank Coraci se baseia justamente nessa premissa. Aqui, acompanhamos a saga de Michael Newman, um arquiteto viciado no trabalho que não encontra tempo para a própria família. Ignorante com os pais, Ted e Trudy, negligente com a esposa, Donna, e ausente para os filhos, Ben e Samantha, Michael é a síntese do indivíduo que não valoriza quem o ama e não percebe o mal que causa. Afinal, como ele vai perceber se não convive verdadeiramente com seus familiares? Em nome da realização profissional, vale tudo – até passar por cima de todo tipo de sentimento e afago.

Nesse cenário, o personagem é construído perfeitamente, visto que não se trata de uma total demonização, mas humanizar e criticar seus erros, fazendo com que ele se permita refletir. Muito mais do que isso, é o típico “escravo do trabalho”, como se nada mais fizesse sentido além da carreira. Um pensamento que, embora fictício, atinge boa parte das pessoas e abre fronteiras para a identificação. Ora, não é muito difícil encontrar muitos tipos iguais ao Michael nos vários cantos do mundo. A partir do momento em que o protagonista entra em contato com uma espécie de anjo da morte e um poderoso controle remoto, tudo muda – e o tom do filme também.

É interessante, nesse viés, notar a mudança de aspecto visual de Michael com esse poder em mãos. De repente, tudo parece girar em seu torno, sem que ele meça as consequências disso. O ar meio melodramático do início passa a ceder espaço à comédia propriamente dita com as enrascadas que o personagem sofre com o controle, retornando, depois, ao teor inicial. Coraci, nesse contexto, apela para uma linguagem mais informal e procura suavizar o terreno para preparar o espectador para o baque. Isso fica nítido quando Michael começa, aos poucos, a perceber que controlar não só a sua vida, mas também de todos à sua volta pode ser um caminho irreversível. Basta observar que, apesar do novo estilo bizarro, o protagonista continua ausente com todos.

O alívio cômico se esvai à medida que Michael se vê cada vez mais preso a esse mecanismo, e o apelo emocional volta a ter destaque. Isso não é um problema, visto que muitos filmes conseguem mesclar com muito cuidado ambos os gêneros, o que torna até a obra mais realista – afinal, nem tudo é resumido a uma só emoção e a um só tipo de abordagem. No entanto, essa ruptura brusca prejudica um pouco a fluidez do texto, assim como alguns diálogos desnecessários. Embora saibamos que existe ali uma lição de moral, ela acaba óbvia demais e tudo parece girar à sua volta – repare que o destaque aqui não é mais o protagonista, mas a reflexão que suas atitudes causam.

Em um de seus melhores momentos de sua carreira, Adam Sandler prova, mais uma vez, a sua veia dramática com as cenas melancólicas de Michael. Esse lado artístico do ator não é uma novidade (quem viu “Embriagado de Amor”, de 2002, sabe muito bem disso), mas a performance dele em “Click” chega a ser até mais envolvente. Apesar de seu berço ser a comédia, Sandler conduz melhor o drama de seu personagem do que a comicidade, transmitindo vários sentimentos em quem assiste. Um grande ator que só cresce na narrativa, assim como as boas presenças de Christopher Walken (o Anjo) e Kate Beckinsale (Donna).

Bem conduzido e extremamente reflexivo, Click carrega uma boa mensagem sobre a valorização de quem amamos e a retribuição do afago que recebemos, além dos questionamentos perante a vontade de ter tudo sob controle – o que pode ser praticamente impossível. É uma comédia que, embora tenha seus alívios cômicos e altos e baixos, cativa em certos trechos e se mostra um bom entretenimento. Vale a pena ver uma outra faceta de Adam Sandler, sem sombra de dúvidas.

 

Apenas um rapaz latino-americano apaixonado por tudo que o mundo da arte - especialmente o cinema - propõe ao seu público.

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