Crítica | Abigail

Nota
3.5

“Joey? Desculpe pelo que vai acontecer com você.”

Um grupo peculiar de criminosos é contratado para um simples trabalho: sequestrar Abigail, uma bailarina de doze anos que é filha de uma figura poderosa, e mante-la em uma mansão isolada por 24 horas, tempo que Lambert, o contratante, tomará para negociar o resgate de 50 milhões de dólares. Mas o que parecia um trabalho típico começa a sair do controle quando é revelado que Abigail, além de ser filha de um dos mais poderosos homens do submundo, é um vampira que está louca para caçar e se alimentar.

Quando a proposta de remake do controverso A Filha de Drácula (1936) veio a publico, muito se debateu sobre os caminhos que a produção poderia seguir para explorar essa parte não-canonica da história de Bram Stoker, mas quando o primeiro trailer de Abigail foi lançado, muitos medos caíram por terra. Propondo uma trama de ação que poderia ir se transformando num terror ascendente, o longa usa referências marcantes da cultura pop para construir a persona vampiresca por trás da falsamente inocente bailarina, que logo se transforma numa pequena cria de Nosferatu e assombra seus sequestradores. A direção de Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett, que comandaram juntos filmes marcantes como Casamento SangrentoPânico VI, é inteligente, eles sabem usar a trama a seu favor e construir uma experiência que envolva o público, e tudo só se torna ainda mais fluido pela presença de Guy Busick, a terceira parte desse trio de sucesso, co-roteirizando o longa, dando aos cineastas o material base que eles precisavam para entregar um bom filme.

Com um elenco grandioso, o longa sabe como dar tempo de tela a todos e ainda centralizar a promissora Alisha Weir no comando narrativo da obra. Alisha nos entrega uma Abigail multifacetada e cheia de camadas, ela começa sendo a doce garotinha, vulnerável e amedrontada depois de ser capturada por criminosos tão frios, mas logo começa a se transformar numa maldosa cria do inferno, brincando com seus raptores e espreitando nas sombras, e ainda consegue espaço para ganhar uma terceira persona, muito mais poderosa e surpreendente. Parecendo prometer um terror denso, o longa começa a mudar de tom com o passar das cenas, provando que bebeu absurdamente ao goles em Evil Dead e honrando aos fãs de Sam Raimi com um terror leve, trash e escrachado, se entregando ao tom de chacota ao mesmo tempo que constroi uma mitologia séria e diverte o público. Como se não bastasse as referências ao universo do terror, o longa ainda faz uma linda homenagem ao Rat Pack, de forma direta, ao usar os nomes de seus membros como codinomes para os sequestradores usarem, soltando até uma boa piada ao lembrar da presença de Don Rickles no grupo.

Dan Stevens, no papel de Frank, entrega um líder por vocação, ele sabe manter o controle sobre os outros e antagonista perfeitamente com a vampirinho. Já a Joey de Melissa Barrera é aquela personagem por quem somos levados a torcer, com um passado misterioso, ela se importa com Abigail antes de descobrir quem realmente a menina é. Angus Cloud (Dean) entrega tudo em seu último trabalho, exalando carisma e nos fazendo sentir sua falta a cada cena protagonizada pelo ator. Kathryn Newton (Sammy) é outra que nos diverte com cada uma de suas interações, ela parece uma típica adulta presa na adolescencia, e vai entregando diversas referências culturais que vão dando graça ao roteiro, enfeitando o teor trash do longa com piadas divertidas. A trupe ainda se completa com William Catlett como quieto e calculista Rickles, Kevin Durand como o brutamontes Peter Giancarlo Esposito vivendo o misterioso Lambert, três personalidades que, apesar de não ter muito tempo de tela e evolução, acabam sendo essenciais para as sequências que se envolvem.

Apesar de não inovar, Abigail explora os limites do clichê do terror beirando o trash e diverte renovando o gênero de uma forma que Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett já provaram ser o ponto forte deles. O longa começa com uma sequência de Lago dos Cisnes que empurra as diversas metáforas da peça de Tchaikovski goela abaixo, e nos faz digerir durante o filme inteiro, enquanto a protagonista brinca com a dualidade da menina inocente e vampira sanguinária tal qual a peça brinca com a dualidade de OdetteOdile. O longa joga de lado toda a ambição de trazer algo novo a partir do ponto que abraça os arquetipos do terror criminal, mas ainda consegue brincar com o espectador ao quebrar o clichê em momentos inesperados. Joey, por exemplo, começa a ser construida como a mãezona, que vai ver uma luz dentro do monstro e pode salvar a todos, mas aos poucos o longa vai expondo seu passado e mostrando que ela está longe de ser aquela mulher amorosa capaz de se tornar a bussola moral do grupo.

Mas se o longa agarra os clichês para depois subverte-los, ele faz de forma extremamente mal feita, já que todas as ideias e clichês parecem ser acumuladas, mexidas, mas nunca se concluem em tela. O roteiro se arrisca ao brincar com as regras clássicas do vampirismo, mas esquece de conceber quais são as regras que o próprio filme quer seguir. O longa explora rios de sangue e explosões absurdas de sangue e vísceras, mas esquece de construir uma história no meio que faça toda essa encenação apoteotica ter uma alma. O duo acerta em exagerar na afetação teatral em tela, mas esquece de trazer um coração para a trama, que vai sendo uma suceção de cenas de ação e comédia sem um cerne que o justifique, sem uma história de verdade que nos conecte com os personagens ou com a antagonista, algo que nem a franquia Todo Mundo em Pânico chegou a esquecer.

“- Sequestramos uma vampira.
– Uma vampira bailarina.”

 

Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.

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