Review | His Dark Materials [Season 1]

Nota
4

“Existem dois grandes poderes, eles lutam desde o início dos tempos. Eles disputam, arrancando dos dentes um do outro cada progresso da vida humana, cada passo nosso do conhecimento, na sabedoria e na decadência. Cada pequeno avanço na liberdade humana foi disputado ferozmente entre aqueles que querem aumentar o nosso conhecimento para que sejamos mais sábios e mais fortes, e aqueles que nos querem obedientes, humildes e submissos.”

Em 2007, A Bússola de Ouro ganhava sua primeira adaptação para as telonas, Protagonizado por Daniel Craig, Nicole Kidman e Dakota Blue Richards, o filme trazia uma perspectiva de ser o rival de Harry Potter ou o próximo Harry Potter. A adaptação chegava com muita promessa, mas seus produtores não entendiam uma coisa, não é porque uma obra é protagonizada por crianças que seu roteiro será infantil, Fronteiras Universo carregava no seu cerne um critica pesada a igreja e um teor mais adulto no seu conteúdo, Ou seja, por mais que Harry Potter tenha abordagens infantil e com um tempo vai amadurecendo, Fronteiras do Universo não trabalha sobre essa regra.

Foi daí que surgiu o fracasso nos cinemas, por não respeitar o material de origens dando um tom mais leve a obra, coisa que não existe nos livros, o roteiro acabou por cair na mesmice, cheios de furo e consequentemente acabando com as chances de uma sequência, mesmo que o filme tenha garantido um Oscar na categoria efeitos especiais, o que mostra, que mesmo que um produto ganhe prêmios isso não é garantia de longevidade de uma franquia.

Por fim, a obra acabou caindo no esquecimento. Mesmo com a luta constante dos fãs de uma nova adaptação, essa possibilidade parecia irreal até que, em 2017, surgia uma luz no fim de túnel. O canal britânico BBC  comprou os direitos de adaptação e mais tarde a HBO comprava os direitos de exibição mundial,  ambas dando a chance de finalmente o mundo onde os humanos coexistiam com suas almas em formas de animais tivesse mais uma chance, o que fez His Dark Materials chegar às telinhas em novembro de 2019, com uma produção refinada e um elenco de peso, numa leva de oito episódios, a obra de Philip Pullman era apresentada novamente ao mundo.

Na nova adaptação, temos Dafne Keen como a protagonista Lyra Belacqua, uma garota fora dos padrões, ardilosa e muito inteligente que mora em Oxford desde que seu tio, Lord Asriel, interpretado brilhantemente por James Mcavoy, a deixou. E Junto com seu Daemon, Pantalaimon, Lyra vive em um mundo onde a alma mora fora do corpo e se estabelece na forma de um animal.  Mas seu mundo irá desmoronar quando seu amigo é levado embora, para resgatá-lo ela parte em busca que, no meio do caminho, a faz descobrir que o sequestro é só a ponta do iceberg que ela vai estar envolvida.

His Dark Materials foi considerada por muitos como a “Nova Game of Thrones”, e acredito que essa comparação seja por conta de seu teor mais adulto, já que as obras tem pouquíssimas similaridades. Temos um mundo regido a punhos de ferro pela igreja, aqui conhecida como Magistérium, que através de crenças e jogos políticos se desdobra numa iminente guerra de ideologias. Sendo um dos pontos positivos da série, fica claro como esse mundo é controlado, como conhecimento e crença não podem andar de mãos dadas, e como o fanatismo pode te levar a causar atrocidades, que são consideradas justas por conta de sua crença. É interessante como o roteiro trabalha isso.

Outro ponto forte são as ideologias por trás dos Daemons – as almas fora do corpo –, explicando como a personalidade reflete no seu Daemon e como é sua ligação, mas essa personalidade não seria nada se não fosse pela atuação do elenco. Um exemplo claro dessas atuações é Ruth Wilson, que interpreta de forma incrível Marisa Coulter, uma personagem singular que de certa forma bagunça as emoções de quem assiste ao show.

Outro destaque é James Cosmos, que na pele do líder dos Gípcios Farder Coram protagoniza, junto com Ruth Wilson e James Mcavoy, as melhores cenas da temporada. Não tem como não mencionar o quanto Mcavoy ficou perfeito na pele do polêmico Lord Asriel, o ator tinha a ingrata tarefa de superar, ou inovar, assumindo o papel que foi de Daniel Craig, uma responsabilidade que ele divide com Ruth Wilson, que assumiu o papel que foi de Nicole Kidman, concorrendo com um dos poucos acertos do filme de 2007, onde os dois atores encarnaram perfeitamente os personagens do livro.

A atuação do Mcavoy não é igual à do Craig, enquanto o segundo era mais calmo e polido, Mcavoy aproveita para abordar uma nuance que não foi explorada no filme: sua capacidade de persuasão e periculosidade. O mesmo se diz de Wilson, ela traz tudo que Kidman não conseguiu trazer, toda a fragilidade, a astúcia e o humor presente em frações de cena. Daphne até poderia estar nesse pódio de atuação, mas infelizmente seu trabalho é estragado por um único problema, ela atua maravilhosamente bem com atores mas ela se perde bastante quando atua com computação gráfica, nada que seja tão alarmante, porém é um fato que marca.

O show ganha mais um ponto por conta de sua fidelidade à obra original, temos uma primeira temporada que utiliza quase tudo do primeiro livro, tomando certas liberdades que alguns fãs mais criteriosos podem não gostar, chegando até a utilizar alguns elementos de A Faca Sútil, segundo livro da saga, introduzindo um novo personagem vivido por Amir Wilson, que já entrega em suas primeiras cenas uma fidelidade ao personagem do livro, alcançando uma sintonia que Daphne Keen levou quase um episódio inteiro para alcançar, agindo com uma naturalidade que surge em minutos.

Como nem tudo são rosas, a série também pecou em algumas coisas, como em não explicar certos elementos, o que dificulta a total compreensão da trama para aqueles que não leram os livros da saga, dificultando a experiencia para quem é novato nesse mundo. Outro grande defeito é o desenvolvimento da mitologia, enquanto a série da um show ao explicar os Daemons, eles não tem a mesma habilidade quando se trata de certas regras referente a esse mundo, deixando explicações vagas, quando não deixam o público sem respostas.

Um ponto que precisa melhorar é quanto a necessidade de mais presença de tela dos Daemons, o que talvez possa ter acontecido pela produção não ter um orçamento tão alto, mas prejudica por eles serem um elemento tão importante para obra, eles são seres que deveriam ser inseparáveis mas mal aparecem em cena, fazendo com que vejamos apenas um ou dois em cenas que tem uma multidão, o que pode levar àqueles que não conhecem as obras a achar que nem todos possuem Daemons. Por outro lado, tanto a relação de Pan e Lyra quanto o CGI são gratificantes, ainda que a relação da protagonista com seu Daemon precise melhorar bastante numa segunda temporada.

Para os que leram a saga, o programa chega a seu ápice em seu último episódio, agradando aos fãs e os preparando para finalmente ver A Faca Sútil ser adaptado. No fim fica claro que His Dark Material é uma grata surpresa para o mundo das séries, conseguindo conciliar tudo que os fãs dos livros precisam, um teor adulto, atores magníficos e uma trama que aborda, mesmo entre erros e acertos, os elementos principais da obra.

 

Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. Álvaro de Campos. Sou Recifense, aspirante a professor, leitor ávido de mitologia greco-romana, estudante de grego e latim. Escritor e as vezes poeta. O que mais gosto na literatura? O poder dela de tirar alguém de um ponto e levar ao outro, e a cada página você já não é o mesmo.... Isso é Apoteótico.

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