Review | Bom Dia, Verônica [Season 1]

Nota
4.5

“Não existe amor ideal”

Era uma manhã normal, Verônica Torres saiu para trabalhar e tudo corria bem na delegacia onde trabalha como escrivã, até que um incidente faz com que uma arma caia aos pés de Marta Campos, uma mulher que tinha acabado de denunciar que foi vítima de um estupro após ser drogada. Marta pega a arma e se mata na frente de Verônica. Era o último ano do padrinho de Verônica, Delegado Titular Wilson Carvana, na delegacia, mas o suicídio de Marta cai como uma bomba no seu trabalho, com pressão de todos os lados para resolve-lo, inclusive de Verônica, que quer ser designada para assumir o caso e tem tudo para soluciona-lo, mas ele acaba sendo dado para Anita Berlinger, a delegada que está destinada a assumir o cargo de Carvana e parece não gostar de Verônica.

Lançado por Andrea Killmore em 2016, o livro Bom Dia, Verônica chamou atenção da Netflix no ano seguinte, quando Raphael Montes apresentou a obra aos executivos da plataforma e recebeu o sinal verde para produzir a adaptação. Só em 2019, pouco antes da estréia da série, Montes revelou que Andrea Killmore era um pseudônimo usado por ele e Ilana Casoy para escrever o livro. A trama, que teve seus oito episódios de cerca de 40 minutos lançados em 1 de outubro de 2020, é focada em Verônica, uma mulher invisível dentro de sua delegacia que enxerga no suicidio de Marta, outra mulher invisivel, um pedido de socorro contra um golpista, o que a incentiva a caçar esse predador sexual e, por coincidência, a aproxima de Janete Cruz, uma esposa abusada que guarda um segredo horrível sobre seu marido e que é a ponta do iceberg de um esquema de corrupção gigantesco. Pensar o que nasceria da união de um escritor de sucessos policiais com uma das maiores criminólogas do Brasil, autora de diversos livros sobre crimes reais, é a certeza de que teríamos uma obra surreal, mas nada que poderíamos imaginar pode prever o que realmente nasceu dessa união.

Magistralmente interpretada por Tainá Müller, Verônica parece ter uma vida perfeita, mas aos poucos vamos descobrindo os traumas de seu passado, seus sonhos e anseios, o que impulsiona a mulher a ter empatia com Marcia e Janete e a faz querer resolver esses dois casos a todo custo, mesmo com todos os obstáculos que surgem na sua frente e toda a falta de apoio e baldes de água fria vindo das pessoas da delegacia. Elisa Volpatto pode não ter muito tempo de tela, mas é surpreendente sua desenvoltura como Anita, ela constrói uma mulher masculinizada pelo trabalho, capaz de diminuir mulheres indefesas (como ela faz com as vítimas do golpista) e de despertar raiva nos espectadores, criando uma chefe vilanizada ideal para a jornada de Verônica, uma grande antagonista não criminosa para uma aspirante a detetive esforçada, levando os créditos pelas descobertas de Verônica e sempre limitando seus avanços. Camila Morgado completa o trio feminino de destaque como Janete, uma mulher que foi tirada do interior por seu marido, o Tenente-Coronel Cláudio Antunes Brandão, e passou a sofrer abusos silenciosos dele, que a humilha, faz violência psicologica e a obriga a ser sua cúmplice numa série de crimes que comete.

Indo para o lado masculino da trama, temos quatro personagens fortes, que influenciam diretamente na jornada de Verônica apesar de não terem grande destaque na trama da série. Carvana (Antônio Grassi), Nelson Moralles (Sílvio Guindane), Victor Prata (Adriano Garib) e Paulo Torres (César Mello), Carvana é o padrinho e chefe de Verônica, é por conta dos obstáculos que ele coloca no caminho da afilhada que ela se sente motivada a continuar correndo atrás de solucionar os casos, por conta da falta de crença de seu superior que ela se sente motivada a se provar. Nelson é seu melhor amigo, responsável pela parte de TI da delegacia, é ele quem ajuda Verônica a ter acesso a todas as informações e pistas que podem ajuda-la a avançar nos casos, tudo em segredo para não dar brecha para as intromissões de Anita. Victor é o perito criminal que presta serviço para a delegacia, amigo de Carvana e do pai de Verônica, ele tem uma conexão sentimental com ela, e por conta disso acaba priorizando-a em diversas situações, apesar de ainda ter um pé atrás sobre até onde deve ajudar a moça, deixando uma certa desconfiança com o público sobre o que ele pode estar escondendo. Paulo é o marido de Verônica, que chegou em sua vida depois de mulher ter se reerguido de todo o furacão que foi o que aconteceu com seus pais, um homem de quem Verônica esconde vários segredos mas é seu maior companheiro, criando uma relação complicada e com grande risco de ruir a qualquer momento. Mas a grande figura masculina do show é Eduardo Moscovis, o grande antagonista da trama, o PM Brandão, um homem complexo, multifacetado e rude, mas cheio de misterio envolvendo seu passado, ele é um serial killer cheio de nuances, com direito padrão, assinatura, mas, acima de tudo, capaz de deixar até o espectador confuso, tentando entender seu modus operandi e suas crenças, o que torna a dança de Verônica e Brandão envolvente, com a mulher tentando provar que o policial é um criminoso sem alerta-lo e sem saber o quão nebulosa é a história que esta se metendo.

Com uma grande qualidade técnica, Bom Dia, Verônica entrega uma proposta surpreendente e um roteiro bem trabalhado, mesmo que tenha pequenas falhas. Seus personagens bem construídos são densos, trazendo uma humanidade palpável que só se fortalece pelas atuações geniais de seu elenco. Usando o artifício de trazer vilões que não são ruins o tempo todo, a trama se aproxima da realidade ao mesmo tempo que se conecta com o público, nos guiando por uma história intrigante, onde a tensão vai crescendo a cada episódio, onde o misterio inunda cada cena e a protagonista se fortalece cada vez mais, mesmo com seus erros e acertos. Claro que o tom do show, que foge completamente da pegada de novela que muitas séries nacionais possuem, é um ponto positivo, mas a season finale, principalmente “Voa, Passarinha” (episódio 7) e “A mulher que sabia demais” (episódio 8), são um grande balde de água fria, perdendo o ritmo, deixando muitas perguntas em aberto e perdendo a chance de concluir um arco importante para iniciar outro, algo que incomoda principalmente por o enredo da série ter três plots simultâneos que oscilam e dispersam a atenção do que realmente importa. Apesar de tudo, fica claro desde o inicio que a série é feita de duas histórias paralelas, que se entrelaçam aos poucos, uma engrandecendo a outra. Se de um lado temos a busca de Verônica por encontrar o abusador em série do Amor Perfeito e ser respeitada na delegacia, do outro o sofrimento de Janete, obrigada a ajudar seu marido a cometer crimes, humilhada e diminuída psicologicamente, deixa claro os dois lados da moeda de ser mulher numa sociedade machista, cruzando o limiar entre ser submissa e lutar para vencer a imposição da submissão.

“Eu quero ouvir a sua história, Janete”

 

Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.

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