Resenha | Carrie

Nota
4.5

“Mas isso tudo parece frágil demais, inconsciente demais, só uma pátina barata sobre um mundo mais escuro – um mundo real onde pesadelos acontecem”

Durante toda sua vida, Carrie White foi perseguida e humilhada pelas garotas da escola em que estudou. Dominada pela mãe, uma fanática religiosa que reprime tudo o que possa considerar profano, a garota vive em um eterno limbo de solidão, tentando vivenciar nem que seja um pouco de sua adolescência sem que acabe presa em um armário rezando para um deus cruel.

Para todos os demais ela é uma garota estranha, incapaz de se enturmar e que atrai qualquer olhar maldoso para sua peculiar aparência. Mas, durante um cruel acontecimento, Carrie descobre um segredo que, assim como tudo em sua vida, foi reprimido e apagado de sua mente: ela possui um dom assombroso e com apenas um pensamento pode mover objetos ao seu redor.

Por uma bondade inesperada, Carrie encontra uma vaga esperança em seu futuro, sendo convidada pelo rapaz mais popular do colégio para o baile de formatura. Mas, no fatídico dia, um ato cruel vira seu destino, provocando o inevitável e fazendo com que seu dom se torne uma arma de destruição e horror. Afinal, o acerto de contas chega para todos.

Durante boa parte de sua vida acadêmica, o jovem Stephen King conseguiu pagar suas contas através dos curiosos contos que escrevia, mas, conforme ele se desenvolvia e formava uma família, os cheques de suas histórias passaram a faze-los sobreviver, deixando de lado o sonho de ser um grande escritor.

Pois foi em meio a uma aposta que a vida do autor mudou. Desafiado por um amigo, King passou a trabalhar em uma proposta que rondava sua mente, juntando a curiosidade despertada por uma matéria sobre telecinese com dois eventos traumáticos de sua infância. Mas, o que estava idealizado a ser um conto sobre o universo feminino e sua crueldade, passou a se alongar mais do que devia, assustando o autor e o fazendo abandonar seu projeto antes de finalizá-lo. Mas eis que Tabitha King resgata o manuscrito de seu cruel destino e incentiva seu marido a termina-lo, dando assim o pontapé inicial que transformaria o escritor novato no verdadeiro Mestre do Horror que tanto conhecemos.

Carrie carrega uma imaturidade em sua crueza, que seduz o leitor e nos encanta de uma maneira macabra. O primeiro livro do autor possui pouco mais de 200 páginas em seu conteúdo, mas consegue nos imergir com maestria em uma crescente tensão que consome todos nossos sentidos. A escrita de King, embora menos lapidada e pontual como chegaria a ser, já demostra seu poder avassalador, trazendo um enredo poderoso e inovador que mudaria de vez a maneira de se contar uma verdadeira história de horror.

Construído entre recortes de jornais, depoimentos, cartas e citações de livros que estudam o caso, a obra deixa claro desde o início que algo bizarro aconteceu, utilizando esse conceito para destrinchar o suspense presente na história. O texto então levanta seus alicerces sobre uma narrativa em terceira pessoa, trocando seu ponto de vista para analisar os sentimentos confusos e cruéis de seus personagens. Cada ato é milimetricamente pensado para aumentar a tensão ali presente, trazendo uma inquietude exemplar que nos acompanha do início ao fim da jornada.

King consegue exemplificar as ramificações profundas que os traumas sofridos podem trazer a uma figura reprimida socialmente, tocando assim em temas complexos que trazem novas camadas para cada um de seus personagens. A violência psicológica e os atos de crueldade trazem um amargo profundo, nos deixando aflitos enquanto esperamos pelo pior.

O autor consegue explorar o lado mais humano de seus personagens, trazendo suas falhas e incertezas o que torna tudo ainda mais presente em nossa realidade. Os elementos negativos e positivos de cada persona se acentuam, quebrando os estereótipos conhecidos e acrescentando dualidades a cada nova vertente. Como é o caso de Sue Snell, a boa garota que tem seu destino premeditado, mas que faz parte da turba que ataca e massacra Carrie em um de seus momentos mais sensíveis. Os próprios atos posteriores são colocados em questionamento pela personagem, que não sabe se faz aquilo por um arrependimento genuíno ou apenas para limpar sua mente daquilo que a atormenta.

Seu namorado, o musculoso e idolatrado jogador de futebol americano conhecido como Tommy Ross, poderia surgir como uma figura detestável, mas se mostra como alguém empático que, por um momento, entende parte da dor que acompanha a protagonista, fazendo com que aquele evento se torne especial. Ou até mesmo Srta. Desjardin que, ao mesmo tempo que tenta ajudar a garota, é tomada por uma repulsa avassaladora.

Mas alguns personagens entram nos conceitos preestabelecidos, como é o caso de Chris Hargensen e Billy Nolan que são personificação da hostilidade adolescente. Chris é a típica adolescente mimada e egoísta, que quer destruir todos que ousem se colocar em seu caminho, enquanto Billy é um bad boy sem futuro que acata as ordens de sua companheira… Enquanto lhe for conveniente. Quando a brincadeira passa dos limites, Billy toma as rédeas da situação, mostrando seu lado mais nefasto e doentio enquanto desperta a sociopatia adormecida por seu puro descaso.

Margaret White parte do extremo lunático que o autor adora colocar em suas obras, demostrando o quão problemático pode ser um fanático religioso. Recatada, disciplinadora e extremamente rigorosa em suas convicções, a matriarca constrói um lar repressor e agressivo, se colocando acima do bem e do mal a ponto de esconder processos naturais de sua própria filha.

Carrie, por sua vez, sofre um momento de ruptura, passando da garota que aceita qualquer humilhação que lhe é imposta para uma verdadeira força da natureza. Durante todo o tempo que a esperança lhe foi tirada, Carrie aceitou seu destino, passando a ter um pouco de controle ao descobrir seus poderes e aos poucos domina-los, mas, quando seu momento mais feliz é arruinado de uma maneira emblemática a vítima se torna agressora, impregnando todos ao seu redor com o caos que a consome, em uma das cenas mais emblemáticas da literatura de terror.

A Suma de Letras relança a obra em uma edição que se torna indispensável para os amantes do gênero. Com uma nova tradução, dessa vez conduzida pela emblemática Regiane Winarski, o livro chega pelo selo Biblioteca Stephen King, trazendo uma obra em capa dura, com todos os requintes que passamos a desejar da editora.

Poderoso e avassalador, Carrie é uma obra obrigatória para quem deseja conhecer o Mestre do Horror. Repleto de nuances, o romance inicial do autor já demostrava o sedutor dom em sua escrita, nos prendendo do começo ao fim em um livro que se tornaram instantaneamente em um clássico do terror.

“Parece-me que, desde o primeiro momento, seu único objetivo era a total e completa destruição de Carrie White…”

 

Ficha Técnica
 

Livro Único

Nome: Carrie

Autor: Stephen King

Editora: Suma de Letras

Skoob

Preso em um espaço temporal, e determinado a conseguir o meu diploma no curso de Publicidade decidi interagir com o grande público e conseguir o máximo de informações para minhas pesquisas recentes além, é claro, de falar das coisas que mais gosto no mundo de uma maneira despreocupada e divertida. Ainda me pergunto se isso é a vida real ou apenas uma fantasia e como posso tomar meu destino nas minhas mãos antes que seja tarde demais...

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