Crítica | Nós (Us)

Nota
5

Seguindo os mesmos passos de Corra!, Nós, do Jordan Peele, vai mais fundo, incomoda e nos faz refletir acerca de muitos dos assuntos abordados na forma de um filme de suspense. No início do filme, nada faz sentido. Todas as informações em tela são aleatórias. Aqui, temos um quebra-cabeça e o desafio é: torná-lo uma peça única.

Assombrada por um trauma inexplicável e algo que aconteceu em seu passado, além das coincidências assustadoras, Adelaide (Lupita Nyong’o) sente sua paranoia elevar-se a um estado de alerta enquanto se torna cada vez mais certa de que algo ruim vai acontecer com sua família. Depois de passar um dia tenso na praia com seus amigos, os Tylers (Elisabeth Moss, Tim Heidecker, Cali Sheldon, Noelle Sheldon), ela e sua família voltam para sua casa de férias. Quando a escuridão cai, os Wilsons veem a silhueta de quatro figuras de mãos dadas enquanto estão na entrada da garagem. O que pode soar estranho de imediato… pode ser bem mais assustador se for visto com calma. Peele coloca uma simpática família americana contra um oponente aterrorizante e misterioso: doppelgängers de si mesmos.

O que é importante salientar é que sem o seu filme anterior, Peele não teria chances de lançar Nós, que é bem mais ambicioso que Corra!. Nós é o melhor resultado da junção de um cinema popular, onde as pessoas vão buscar filmes que tenham o papel unicamente de entretenimento, com um cinema artístico, que usa a linguagem como forma de conscientizar, informar, discutir e criticar. O longa é o resultado de muito suspense, ficção científica e distopia, e felizmente o acerto veio. E como se não pudesse melhorar, ainda traz discussões relevantes – que estávamos esperando desde que foi anunciado a produção -, como, por exemplo, a segregação racial e discussão sobre gênero.

Ao longo do filme, podemos ver as histórias que antes eram uma espécie de quebra-cabeça, juntando-se e fazendo sentido. E é neste momento que o filme engata. Percebemos os doppelgängers (as cópias idênticas dos personagens) buscando vingança. E assim que podemos apreciar a atuação da protagonista, a Lupita Nyong’o, que entrega 2 personagens: (1) uma mulher forte e uma mãe que fará de tudo para salvar sua família; (2) e uma cópia assustadora de Adelaide, com um monólogo sem defeitos e uma atuação incrível (para não dizer perfeita!). Acompanhando-a ainda temos a Shahadi Wright Joseph (Zora Wilson) que encarna uma jovem bem atual e uma cópia assustadora dela mesma, com um sorriso que vai fazer você ficar tenso(a) na poltrona do cinema. E, como se não pudesse melhorar, temos a Elizabeth Moss mostrando todo o seu talento e versatilidade, cada dia nos presenteia com uma trabalho melhor que o outro (quer provas? Basta ver The Handmaid’s Tale).

O ponto mais forte de Nós são as mulheres, fortes, com atuações impecáveis e sem o clichê de precisar de uma figura masculina para se defender (típico de muitos filme atuais que ainda não entenderam as discussões de gêneros levantadas diariamente ao redor do mundo). Aqui, os homens aparecem como um possível alívio cômico. 

O ritmo do longa também é uma ousadia proposta por Peele. Nada é corrido, como normalmente acontece nos filmes de terror. E é notável a coreografia das cópias, até no andar dos personagens. O fato de os vilões serem uma versão dos personagens dá a impressão de, por exemplo, um assalto, ou algo do tipo. E a surpresa de saber que nada é o que parece é um acerto enorme. No fim, após entendermos toda a trama e juntar todas as peças, há uma reviravolta. E isso é algo que surpreende.

Confesso que esperava um fim ao estilo Corra!, um final “okay” e com uma resolução satisfatória, mas não é bem assim. Garanto que você ficará alguns minutos sentado(a) na poltrona refletindo sobre o que acabou de ver, uma cena de alguns minutos que muda totalmente o desfecho da história. Além de ser um filme interessante, Nós é a junção perfeita entre todos os conceitos audiovisuais presentes no cinema, desde figurino até edição de som. Tudo faz sentido. Nada está ali sem motivo. E se você explodiu sua cabeça com Corra! – e gostou da experiência, é claro -, tenho uma boa notícia: Nós está nos mesmos moldes, só que melhor.

Universitário, revisor. E fotógrafo nas horas vagas.

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