Crítica | Beau Tem Medo (Beau Is Afraid)

Nota
4

Nenhum inimigo consegue ser pior do que sua própria mente. É o que o mergulho pelo inconsciente de Beau Wassermann consegue trazer ao espectador. Em Beau Tem Medo (2023), filme norte-americano de terror, drama e comédia, Ari Aster consegue, como sempre, trazer um terror psicológico totalmente inovador, que foge da linearidade narrativa e não hesita em deixar o espectador desconfortável.

A brilhante atuação de Joaquin Phoenix leva o público a uma imersão aos maiores medos do protagonista Beau. Como em obras anteriores do ator, é louvável a sua consciência corporal enquanto atua, principalmente quando se trata de personagens com transtornos mentais. Essa, portanto, se mostra evidente na obra Beau Tem Medo, quando fica perceptível que o protagonista em boa parte das cenas tem o corpo duro, pouco se movimenta. Assim, essa característica vem como uma representação maior da paralisia do personagem perante os seus maiores anseios. É, dessa forma, então, que embarcamos numa grande crise de ansiedade do Beau, que se apresenta através de alucinações, pesadelos e lapsos temporais, em que ele está sempre sendo colocado como culpado. É muito interessante acompanhar como é possível identificar esses medos durante as cenas, por mais abstratas, absurdas ou toscas que elas pareçam ser.

Em Beau Tem Medo, o protagonista claramente tem Síndrome do Pânico, é perceptível observar isso pelo seu medo de sair de casa, achando que sempre vai acontecer algo terrível. É o que se observa no início do filme, por exemplo, em que o espectador se depara com cenas de um ambiente urbano extremante caótico, violento e imprevisível. Dessa forma, Ari Aster consegue retratar todos esses elementos, os quais são frutos das partes mais sombrias que corroem a mente de Beau. Por mais estranho, confuso e incoerente que o filme pareça ser, o diretor consegue capturar de forma genial como funciona o inconsciente humano, tendo em vista que os sonhos acontecem dessa forma. Por exemplo, durante uma cena do início, Beau corre nu no meio da rua. O protagonista sonhar com isso está totalmente correlacionado ao seu medo de se expor e se mostrar vulnerável.

Ari Aster, portanto, traz diversos conceitos da psicanálise, no que diz respeito à análise de sonhos e alucinações. A não-linearidade, assim sendo, é o elemento central que faz total sentido na obra. O que traz a essência de Beau Tem Medo é justamente a narrativa ser confusa. O fator que pode trazer enorme desconforto é justamente o espectador não conseguir acompanhar o que é real e o que não é, o que é alucinação, o que é apenas um sonho, ou não ver o filme trazendo mensagem final alguma. É como se aquele grande pesadelo não houvesse fim. Contudo, é justamente o que Ari Aster quer causar. Seus filmes, os quais têm a característica de serem sensoriais e imersivos por tratarem de um terror psicológico, tentam passar exatamente para o espectador o que o protagonista está sentindo. Assim, o público navega por diversos cenários criados pela mente do Beau, que vão desde ele acordando no quarto de uma adolescente k-poper, até ele sendo julgado em um tribunal aquático. Essas diversas circunstâncias em que o protagonista se insere, para além de brincarem com a noção de realidade, também mexem com lapsos temporais, já que o espectador consegue acompanhar o Beau criança, adulto e idoso.

Dessa forma, o mergulho em Beau tem Medo vai muito além do entendimento da mensagem final que o filme quer passar, mas sim de tentar interpretar através da grande viagem pelo subconsciente de Beau, quais são os seus maiores medos. Ari Aster, como sempre inovando, portanto, trouxe uma nova perspectiva para o gênero de terror cinematográfico, através de uma obra que coloca em pauta a própria noção de saúde mental, trazendo a dimensão que transtornos de ansiedade severa podem ter, como agem na questão da autoculpabilização, e acabam por disparar o que há de mais assustador, vulnerável e paralisante no ser humano: o medo.

 

Estudante de cinema, pernambucana

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