Nota
Sequências são sempre um desafio: como manter o que funcionou no original enquanto trazem algo novo? O Contador 2 tenta responder a essa pergunta com uma mudança de tom audaciosa — e nem sempre bem-sucedida. Se o primeiro filme era um thriller meticuloso, quase matemático em sua construção, esta continuação opta por um ritmo mais dinâmico, priorizando ação explosiva e relações familiares em detrimento da complexidade narrativa que definia o protagonista. O resultado é um filme mais acessível, mas que perde parte da identidade que o tornava especial.
O enredo de O Contador 2 começa com o assassinato de Raymond King (J.K. Simmons), ex-mentor da agente Marybeth Medina (Cynthia Addai-Robinson), que deixa uma mensagem enigmática: “Encontre o Contador”. Christian Wolff (Ben Affleck) é recrutado para investigar o crime, descobrindo uma teia de corrupção envolvendo tráfico humano e assassinatos. Junto de seu irmão, Braxton (Jon Bernthal), um mercenário turbulento, e Medina, Christian mergulha em uma missão que alterna entre tiroteios frenéticos, quebra-cabeças financeiros e momentos de humor inesperado — como uma cena memorável em um bar de música country. A trama, mais simples e focada em ação do que a do primeiro filme, serve principalmente como pano de fundo para explorar os laços familiares e a evolução dos personagens, embora com menos profundidade nos temas que originalmente tornaram Christian um protagonista único.
Christian Wolff segue sendo um personagem fascinante — um contador autista com habilidades de combate dignas de um agente especial —, mas aqui sua neurodivergência é menos explorada como ferramenta narrativa e mais tratada como um “superpoder” superficial. A representação do autismo ainda é um avanço em Hollywood (que raramente coloca personagens neurodivergentes como protagonistas de blockbusters), mas cai na armadilha de romantizar a condição, transformando-a em uma espécie de vantagem sobrenatural em vez de uma característica humana complexa. Há cenas que quase parecem sugerir que o autismo de Christian é o que o torna “excepcional”, ignorando os desafios reais enfrentados por pessoas no espectro. Mesmo assim, é válido como passo inicial para desmistificar o tema — desde que futuras sequências aprofundem essa discussão com mais nuance.
A grande mudança, porém, está no foco narrativo. Enquanto o primeiro filme girava em torno da genialidade contábil de Wolff e de como ela se entrelaçava com seu passado violento, a sequência coloca os relacionamentos em primeiro plano. A dinâmica entre Christian e seu irmão Braxton é o coração do filme, com cenas que variam entre o cômico e o emocional. Marybeth Medina, antes uma coadjuvante, ganha protagonismo como a ponte entre o mundo de Wolff e a burocracia governamental, acrescentando camadas de conflito moral.
A direção de Gavin O’Connor mantém a competência técnica — as cenas de ação são coreografadas com clareza, evitando o caos visual típico do gênero —, mas perde a atmosfera única do original. A trama, envolvendo tráfico humano e conspirações, é genérica e cheia de furos lógicos. O filme tenta compensar com humor, mas os momentos cômicos, embora divertidos, muitas vezes quebram a tensão de forma abrupta.
O maior acerto da sequência está justamente no que ela abandona do primeiro filme: a humanização de Christian. Se antes ele era uma figura quase inalcançável, aqui vemos tentativas genuínas de conexão — seja com Braxton, seja em uma cena tragicômica de encontros. Affleck entrega uma performance mais solta, e Bernthal rouba a cena como o irmão problemático que equilibra lealdade e rebeldia. Juntos, eles salvam o filme da mediocridade, sugerindo que o futuro da franquia pode estar menos nos números e mais nas pessoas por trás deles.
O Contador 2 é, no fim, um filme de contradições. Mais dinâmico, mas menos inteligente. Mais emocional, mas menos consistente. Entrega diversão, mas deixa a desejar como sequência. E, ah… fica a dica: fiquem até os créditos finais. Há um gancho que promete — ou ameaça — uma terceira aventura.
Victor Freitas

Pernambucano, jogador de RPG, pesquisador nas áreas de gênero, diversidade e bioética, comentarista no X, fã incontestável de Junji Ito e Naoki Urasawa. Ah, também sou advogado e me arrisco como crítico nas horas vagas.