Crítica | O Beco do Pesadelo (Nightmare Alley)

Nota
4

“Ninguém aqui se importa com quem você é ou com o que você fez.”

Stanton Carlisle abandonou seu obscuro passado no momento que adentrou aquele circo, e foi ali que ele acabou encontrando seu refugio. Em meio aos bizarros habitantes, Stan pouco a pouco foi se encaixando e aprendendo as malicias dos circos, encontrando um lugar onde seu passado não era importante e ele poderia ser uma nova pessoa. É lá que Stan acaba conhecendo a vidente Zeena e o seu marido, o mentalista Pete, que o acolhem, o colocam como assistente e o ensinam a arte da leitura fria, do ilusionismo e dos códigos de dicas verbais, um treinamento que o prepara para, depois de fugir do circo com a doce Molly, ludibriar a elite rica da sociedade de Nova Iorque dos anos 1940.

O Beco do Pesadelo é a segunda adaptação cinematográfica da obra homônima de William Lindsay Gresham, o primeiro romance do autor estadunidense e que até hoje é considerado um clássico do romance noir americano. Da mesma forma que a versão de 1947 deu tons amorosos e redentores à trama, a nova versão, nascida da co-roteirização e direção de Guillermo del Toro, adiciona novos tons ainda mais obscuros e arrepiantes no decorrer do enredo, Stan claramente não é um rapaz inocente, ele tem seus demônios e é justamente eles que nos enredam para conhecer melhor o rapaz e esperar o pior dele. Assim como no livro de Gresham, fica claro que Del Toro não quer a luz redentora em meio ao seu filme, o que o torna a adaptação ainda mais del Toro, dando toda uma pegada neo-noir no desenrolar da história, em meio aos insistentes flashbacks incendiários propositalmente alocados para despertar ainda mais nossa curiosidade por entender Stan, todo esse desejo só torna ainda mais significante o momento que os caminhos de Stan e Lilith Ritter finalmente se cruzam.

Vivido por Bradley Cooper, Stan parece um rapaz amedrontado, ele foge do seu passado ao mesmo tempo que quer se tornar uma nova pessoa, ele cede ao seu ego e deseja cada vez mais lucro, e é justamente essa ambição que acaba se tornando o grande antagonista do longa, Stan quer sempre mais dinheiro, e somos guiados a entender que ele está disposto a abrir mão de tudo no processo. Na vida do circo, grandes presenças adicionam ainda mais expressividade a cada um dos personagens que por ali vagueiam. A excentricidade de Willem Dafoe casa completamente com intensidade que existe no olhar de Clem Hoately, o dono do circo que deixa claro o quanto está disposto a flexibilizar a moral na busca pelo sucesso. A seriedade de Toni Collette é outro ponto a se destacar, e isso fica evidente na entrega que enxergamos em cada cena de Zeena Krumbein, a vidente tem desejos, tem infidelidades, tem dedicação, tem experiencia, mas sabe muito bem que também tem limites, que seus poderes falsos podem leva-la para longe, mas sempre vai terminar te levando ao fundo do poço. Rooney Mara brilha deliciosamente com sua Molly Cahill, uma ovelha entregue nos braços do lobo. Del Toro mostra a todo momento que precisamos desvendar o passado de Stan, e nos joga retalhos para que possamos entender de onde vem o homem, o que ele teme em seu passado e os segredos que levaram ao incêndio que matou seu pai.

Depois de um primeiro ato sombrio, que nos leva às profundezas horrendas dos bastidores do circo, somos levados a um pulo no tempo de dois anos para, em 1941, conhecer os novos rumos que a vida de Stan e Molly tomam, uma vida muito mais sofisticada, transitando pela nebulosa elite novaiorquina enquanto decide iniciar um complexo golpe a um magnata perigoso, o que o leva a pedir a ajuda de Lilith, uma perigosa psicóloga. Interpretada pela maravilhosa Cate Blanchett, Lilith dá um novo brilho ao enredo, tornando o clima muito mais denso, aceitando um acordo de fornecer informações em troca da verdade, o que abre as portas do passado de Stan para que o publico possa finalmente desvendar seus mistérios. Criando um verdadeiro jogo de poder, Lilith se mostra poderosa, perfurando as barreiras de Stan para invadir sua mente e revelar seus segredos, uma verdadeira briga de titãs entre o enganador capaz de ler pessoas e a medica capaz de enxergar os demônios e as mazelas que existem no fundo da mente e da alma de qualquer um. O longa é um típico filme Del Toro, um suspense criminal que tende, brevemente, a trazer um clima de terror, e é justamente essa atmosfera, somada à deslumbrante fotografia e à envolvente trilha sonora, que torna esse embate de poderosos ainda mais emoldurado, deixando o claro o quanto o poder corrompe e o quanto o desejo pelo dinheiro pode te arrastar para terrenos perigosos e para os braços de predadores desumanos.

Como se não bastasse sua densidade dramática, O Beco do Pesadelo nos surpreender com uma reviravolta final inesperada, que nos joga numa trama muito mais carnal e ensandecedora e deixa o ar mais pesado com seu desenrolar eletrizante e muito mais realista. O roteiro se mostra dissimulado perante o protagonista, transformando os eventos de uma forma surpreendente, ganhando sacadas muito mais macabras e instigantes, preenchendo a tela com tons sangrentos e desesperadores, nos guiando para uma expectativa assustadora sobre o que realmente está acontecendo. O ato final do longa nos prende na cadeira, injeta adrenalina e acelera o coração, ele é capaz de deixar seu público embasbacado com toda a ironia macabra que carrega, fechando um ciclo inimaginável que tornaria o filme uma obra completa se não fosse por toda a rebarba que fica aparente nos seus longos 150 minutos de duração. Com seu grande elenco, participações notáveis, homenagens singelas e uma trama surreal, o longa é o Del Toro que esperávamos mas com uma duração maior do que precisávamos.

“Você é uma decepção”

 

Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.

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