Marcielle, uma jovem de apenas 13 anos, é inserida em um meio repleto de violências dentro da periferia onde mora. Moradora da Ilha de Marajó, no Pará, junto com o seu pai, Marcílio, sua mãe, Danielle, e três irmãos, a menina sofre com a perda da sua irmã mais velha, Claudinha, que partiu para bem longe de onde moravam após arrumar um homem que circulava pela bacia hidrográfica que banha a região.
A diretora Marianna Brennand aborda com sensibilidade um tema delicado e de extrema relevância, trazendo-o com urgência para o centro do debate. O longa-metragem é um retrato comovente de uma dura realidade enfrentada por crianças que vivem em comunidades ribeirinhas da região Norte do Brasil. A obra impacta como um soco no estômago, despertando indignação diante de uma situação tão alarmante.
Manas se destaca também pela forma como constrói suas personagens femininas, especialmente as meninas protagonistas, que são retratadas com profundidade, força e vulnerabilidade. A câmera de Brennand observa com delicadeza o cotidiano dessas jovens, captando tanto a dureza de suas vivências quanto a beleza de seus laços afetivos.
A narrativa evita cair em estereótipos ou simplificações e opta por uma abordagem que valoriza o olhar das próprias crianças sobre o mundo ao seu redor. Essa escolha dá voz àquelas que geralmente são silenciadas, ampliando ainda mais o impacto social do filme. A trilha sonora sutil, os cenários naturais e a fotografia orgânica contribuem para uma atmosfera que mistura poesia e denúncia.
Ao final, Manas não oferece respostas fáceis, mas provoca reflexões profundas sobre desigualdade, abandono e resistência. É um filme que permanece com o espectador, exigindo sensibilidade e escuta ativa para compreender a complexidade das histórias que revela.
Do ponto de vista técnico, Manas impressiona pela harmonia entre linguagem cinematográfica e conteúdo. A direção de fotografia explora a luz natural e os cenários ribeirinhos com maestria, criando imagens de forte apelo estético sem romantizar a precariedade retratada. Os planos muitas vezes longos e contemplativos reforçam a sensação de imersão e respeito pelo tempo das personagens.
A trilha sonora é discreta, quase ausente em certos momentos, o que intensifica o realismo e permite que os sons do ambiente — a água, os pássaros, o vento — ganhem protagonismo. O som direto contribui para a autenticidade das cenas, aproximando o espectador da experiência vivida pelas protagonistas. O roteiro, coeso e bem estruturado, opta por um desenvolvimento orgânico, no qual os conflitos surgem de maneira natural, sem forçar dramaticidades. Marianna entrega um filme que aposta na escuta, no olhar atento e na potência da experiência cotidiana.
Em síntese, Manas é um filme necessário. Ao dar visibilidade a uma infância marcada por desafios, mas também por laços de solidariedade e resistência, a obra convida o público a uma reflexão ética e estética. É cinema que denuncia sem espetacularizar, que emociona sem manipular, e que reafirma o papel social da arte como ferramenta de transformação e empatia.