Crítica | Como Treinar o Seu Dragão (How to Train Your Dragon) [2025]

Nota
5

Quando uma obra tão querida quanto Como Treinar o Seu Dragão ganha uma adaptação em live-action, é natural que os fãs encarem o projeto com uma mistura de empolgação e ceticismo. Afinal, o cinema já nos apresentou inúmeras refilmagens que, embora tecnicamente competentes, falharam em capturar a essência dos originais. Felizmente, esta nova versão não apenas honra o legado da animação de 2010, como também a expande, oferecendo uma experiência cinematográfica que é, ao mesmo tempo, nostálgica e surpreendentemente nova.

O maior triunfo deste live-action está em sua devoção quase religiosa ao material original. O diretor Dean DeBlois, que também esteve à frente da trilogia animada, demonstra um entendimento profundo do que fez a história original funcionar. Sua presença garante que cada elemento — desde a construção dos personagens até os momentos de ação mais espetaculares — mantenha a mesma alma que conquistou o público há mais de uma década. A narrativa segue fielmente a jornada de Soluço, o jovem viking que desafia as tradições de sua aldeia ao se tornar amigo de um dragão ferido, Banguela. Cada cena icônica está lá: o primeiro encontro tenso entre humano e dragão, os voos emocionantes sobre os céus de Berk, e os conflitos emocionais entre Soluço e seu pai, Stoico, o Vasto.

O roteiro, também assinado por DeBlois, preserva os diálogos mais memoráveis da animação, embora algumas linhas tenham sido suavizadas ou adaptadas para melhor se encaixar no formato live-action. A ausência de frases como “tudo o que sabemos sobre vocês está errado” pode decepcionar os fãs mais fervorosos, mas a essência da mensagem — sobre questionar preconceitos e encontrar a própria voz — permanece intacta.

Os efeitos visuais são, sem dúvida, um dos pilares desta adaptação. Banguela, o dragão mais amado do cinema, ganha vida com uma textura e movimento que o tornam ainda mais realista, sem perder a expressividade que o tornou tão cativante na animação. Seus olhos grandes e cheios de emoção, seus gestos felinos e até mesmo as asas danificadas foram recriados com um nível de detalhe que impressiona. Os outros dragões — como o temível Morte Rubra e o caótico Pesadelo Monstruoso — também brilham, com designs que os tornam mais ameaçadores e, ao mesmo tempo, cheios de personalidade.

A ilha de Berk, filmada em locações reais na Islândia e Irlanda do Norte, é um espetáculo à parte. Os penhascos dramáticos, as casas de madeira esculpidas em estilo viking e até mesmo os pequenos detalhes do cotidiano da aldeia foram recriados com um cuidado meticuloso. A direção de arte captura perfeitamente o equilíbrio entre o fantástico e o terreno, fazendo com que o mundo pareça ao mesmo tempo grandioso e palpável. A fotografia de Bill Pope, conhecido por seu trabalho em Matrix , eleva ainda mais a experiência, com planos aéreos que deixam o público sem fôlego e closes que amplificam a intimidade dos momentos emocionais.

Mason Thames, no papel de Soluço, é uma revelação. Embora Jay Baruchel tenha deixado uma marca indelével com sua voz na animação, Thames consegue capturar a essência do personagem — sua insegurança, sua curiosidade e sua coragem — com uma performance física e emocional que surpreende. Seus maneirismos, desde a postura desajeitada até os momentos de determinação silenciosa, são uma homenagem perfeita ao original.

Gerard Butler, reprisando seu papel como Stoico, o Vasto (desta vez em carne e osso), entrega uma atuação poderosa. Sua presença imponente e sua voz grave trazem o peso necessário ao líder viking, mas são seus momentos de vulnerabilidade — especialmente nas cenas em que confronta suas próprias crenças sobre os dragões — que realmente emocionam. Nico Parker, como Astrid, traz uma energia diferente da personagem animada, menos agressiva e mais estratégica, mas igualmente cativante. Nick Frost, como Gobber, o ferreiro, rouba cenas com seu humor peculiar e sua química natural com Thames.

A trilha sonora de John Powell, já lendária, retorna com arranjos ainda mais grandiosos. A música não apenas complementa as cenas, mas as eleva, tornando-se parte inseparável da experiência. É raro encontrar uma trilha que consiga evocar tanta emoção mesmo após tantos anos, mas Powell prova mais uma vez por que seu trabalho em Como Treinar o Seu Dragão é considerado um dos melhores da história do cinema.

Nenhuma adaptação é imune a críticas, e esta não é exceção. Algumas cenas menores — como o momento tranquilo em que Soluço alimenta dragões menores — foram cortadas, o que pode decepcionar os fãs mais atentos. O filme também é um pouco mais longo que o original (125 minutos contra os 98 da animação), e alguns podem achar o ritmo um pouco arrastado em certos momentos.

No final, esta adaptação em live-action de Como Treinar o Seu Dragão é um triunfo. Ela não tenta reinventar a roda, mas sim celebrar uma história que já era perfeita em sua forma original. A fidelidade ao material de origem, combinada com efeitos visuais deslumbrantes, performances sólidas e uma trilha sonora inesquecível, resulta em uma experiência que agradará tanto os fãs antigos quanto os novos espectadores. Se esta é a qualidade que podemos esperar das futuras adaptações da DreamWorks, então que venham muitas mais. Berk e seus dragões merecem.

 

Pernambucano, jogador de RPG, pesquisador nas áreas de gênero, diversidade e bioética, comentarista no X, fã incontestável de Junji Ito e Naoki Urasawa. Ah, também sou advogado e me arrisco como crítico nas horas vagas.

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