Crítica | Armadilha (Trap)

Nota
3.5

M. Night Shyamalan volta à sua zona de conforto — e desconforto — com Armadilha, um thriller psicológico que une tensão crescente, atmosfera claustrofóbica e um conceito central engenhoso. Desta vez, o cineasta nos convida para um show de pop, mas não exatamente para dançar: o espetáculo, na verdade, serve de fachada para uma investigação criminal armada pela polícia… e é aí que tudo se complica.

No centro da narrativa está um pai (Josh Hartnett) que leva sua filha adolescente para curtir um grande evento musical, mas aos poucos o público e o próprio protagonista percebem que há algo errado. Shyamalan constrói um jogo de espelhos e identidades, em que o suspense não está apenas na revelação do culpado, mas na verdadeira natureza de quem estamos acompanhando. A tensão se intensifica conforme segredos são revelados e a estrutura da armadilha vai ficando mais evidente — para o público e para os personagens.

Como é característico do diretor, o filme trabalha com um conceito ousado que mistura o mundano com o bizarro. E funciona: Armadilha prende o espectador com reviravoltas bem colocadas, uma trilha sonora desconcertante e um clima de inquietação constante. Hartnett entrega uma performance enigmática, sustentando bem a ambiguidade de sua figura, enquanto o ambiente do show — com tudo acontecendo em tempo real, inclusive as performances musicais — serve como pano de fundo inusitado para o horror psicológico.

Curiosamente, a semente do filme surgiu quando o diretor se inspirou na grandiosidade da turnê The Eras Tour, de Taylor Swift, e se perguntou: “E se O Silêncio dos Inocentes acontecesse em um show da Taylor Swift?” A provocação, tão improvável quanto intrigante, floresceu em um projeto inspirado também pela Operação Flagship, uma ação real ocorrida em 1985, quando mais de cem foragidos da justiça foram atraídos até um estádio sob o pretexto de receberem prêmios. Essa combinação entre cultura pop, investigação policial e tensão psicológica é o que molda o cerne de Armadilha.

Um detalhe curioso está na presença de Saleka Shyamalan, filha do diretor, que interpreta Lady Raven, a estrela pop do evento. Inicialmente relegada ao papel de fundo, surgindo nas apresentações e nos bastidores da arena, sua personagem ganha protagonismo no ato final, quando a tensão atinge o auge. Apesar da construção simbólica de sua figura dentro do enredo, Saleka não consegue rivalizar com a presença intensa de Hartnett em tela. Seu desempenho é funcional e misterioso, mas carece de força dramática para sustentar a carga emocional da virada narrativa.

No entanto, o longa não escapa dos tropeços típicos da filmografia de Shyamalan. Alguns diálogos são expositivos demais, certos personagens secundários soam artificiais e, quando chega a virada final, o impacto é mais temático do que surpreendente. Ainda assim, o mérito está na forma como o filme mantém sua coerência interna e na habilidade do diretor em explorar o desconforto com ritmo, sem apelar para sustos baratos.

Armadilha não é o retorno definitivo de Shyamalan ao auge, mas é uma obra competente, provocadora e com identidade própria. Entre o jogo de manipulações, o suspense moral e o peso das escolhas humanas, o filme entrega mais do que promete — desde que se aceite embarcar no tipo de espetáculo que o diretor sabe muito bem como encenar.

 

Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.

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