Crítica | A Mais Preciosa das Cargas (La Plus Précieuse Des Marchandises)

Nota
2

Havia um casal muito pobre, um lenhador e sua esposa que viviam felizes numa floresta. Mas no meio da Segunda Guerra Mundial, o frio assolou o local onde eles viviam, trazendo fome e mais pobreza para o casal. A situação ficou tão crítica, que os dois perderam seu filho no processo, fazendo com que o lenhador se sentisse aliviado por não ter que alimentar mais uma boca, porém trazendo uma enorme tristeza para sua esposa. De repente, após tanto orar para Deus, a esposa ouve o choro de uma criança ecoando no silêncio frio da floresta, e é quando ela percebe que um bebê foi jogado para fora de um dos diversos trens que passam pelo local. Essa criança agora vai ser a alegria da esposa deprimida, que mesmo com os protestos do seu marido, vai lutar para manter sua nova criança, que ela já considera sua filha. O lenhador cansado de resistir a sua nova realidade, vai aos poucos sendo conquistado pela criança de sorriso largo, e percebe que afinal mesmo quem ele não considera pessoas dignas também podem ter coração. O premiado diretor francês Michel Hazanavicius surge com o seu projeto mais diferente, uma animação extremamente tocante sobre uma época terrível da história mundial, essa é a premissa de La Plus Précieuse Des Marchandises.

Conhecido pelos seus diversos filmes de espião, mas principalmente pelo premiadíssimo O Artista (2011), que rendeu ao diretor 5 Oscars, incluindo Melhor Diretor e Melhor Filme, agora Hazanavicius se aventura no mundo das animações para contar uma história vivida na época do holocausto. Apesar dos personagens falarem francês na trama, a história se passa em algum local da antiga União Soviética, que não é muito claro durante o filme, mas isso não importa para a trama, visto que acaba sendo uma visão generalista sobre o período histórico. É uma tarefa difícil criar novas histórias originais sobre o mesmo período histórico, visto que já há diversas outras obras na mídia que abordam o mesmo tema, portanto, como La Plus Précieuse Des Marchandises não se propõe a trazer novas abordagens para a temática, acaba sendo um pouco mais do mesmo. O início do longa, de certa forma, acaba se assemelhando bastante com o filme O Conto da Princesa Kaguya (2013), que é baseado em poemas clássicos da literatura japonesa, onde um pobre agricultor encontra uma criança nos brotos de bambu e após isso começa a agradecer e reverenciar os Deuses do Bambu, isso cria uma correlação entre a história francesa até pela forma que a esposa do lenhador lida com sua nova filha, já que ela associa o trem que a abandonou como um Deus que ouviu suas preces e que atendeu o seu desejo de ser mãe novamente. E até então seria um bom contraponto se a história de fato seguisse como uma “versão ocidental” de O Conto da Princesa Kaguya, mas não é exatamente assim que o filme deseja ser abordado. 

A animação do longa, uma coprodução principalmente com o estúdio de animação Prima Linéa Productions, acaba se destacando entre os outros projetos do estúdio por trazer um estilo diferenciado, trazendo diversos elementos em 3D e 2D, mas que criam uma atmosfera de um um filme animado em 2D como no início da história do estúdio. O que é um grande destaque é sem dúvida os cenários, que são extremamente detalhados, com detalhes em aquarela digital, prédios e casas muito bem feitas e, claro, as plantas e a neve que são um show a parte. O design de personagens também é bem interessante, exagerando bastante das sombras com linhas super grossas para trazer um ar de sofrimento e seriedade para todos os personagens, quase que como gritar para o público que essa não é uma história para crianças, exaltando a seriedade e complexidade do filme.

Mas ainda assim, apesar de acertar bastante nas sombras dos personagens, o filme comete um erro crucial em toda a obra. A iluminação das cenas é o pior aspecto do filme, levando quase metade de suas cenas em completo escuro, deixando a visibilidade do filme sendo nula. Em muitos momentos fica até difícil de saber o que está acontecendo, mesmo com as falas dos personagens é difícil acompanhar o que está acontecendo, o que poderia talvez ser resolvido com um melhor roteiro que explicasse bem as cenas, mas como a proposta do filme não é se explicar, sente-se a falta de uma boa iluminação de suas cenas. Há momentos fora da casa do casal principal, por exemplo, que a área externa é escura, mas que os personagens e o cenário ficam em evidência muito bem, pela iluminação da lua por exemplo, o que deveria ter sido replicado com uma luz mais ambiente, mesmo que escura, das velas que são usadas, ou em outros momentos que a luz não entra nos cenários, de frestas que fizessem os personagens serem visíveis, já que é inadmissível um filme ter planos sequências longos com uma visibilidade tão baixa. E isso não é por falta de competência da produção, já que em muitos momentos o contraste com o escuro é usado de forma inteligente, como algumas representações do campo de concentração, por exemplo, que nos mostra uma sequência super poética, mas com nitidez e clareza, o que não acontece ao longo do filme como um todo. 

A Mais Preciosa das Cargas é uma oportunidade perdida, por contar uma história tão importante com um visual tão inatrativo. Apesar do roteiro do longa do diretor premiado, Michel Hazanavicius, não ser tão envolvente, mesmo com suas passagens poéticas e refinadas, o visual da animação, que por diversos momentos é estonteante e muito bem trabalhada e detalhada, acaba sendo um dos principais motivos para o público criar um desinteresse ao assistir o filme. As frases poéticas acabam tornando o filme desconexo com o que está sendo mostrado, visto que muito do contexto das cenas se perde com a baixa nitidez e visibilidade das cenas devido a iluminação que foi muito mal trabalhada na maioria dos planos sequências. Apesar dos designs de personagens serem muito bons por trazer um ar realista e sério para a trama, eles não conseguem ajudar nem se sobressair a ambientes tão escuros onde em muitas cenas simplesmente não dá nem para notar que há um personagem em cena, mesmo que eles estejam lá, e que só dá para perceber se o expectador fizer muito esforço para notá-los. 

 

Ilustradora, Designer de Moda, Criadora de conteúdo e Drag Queen.

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