Crítica | 13 Sentimentos

Nota
3

“Baseado em sentimentos reais”

João, um taurino de 32 anos, acaba de voltar de uma viagem com seu namorado Hugo — ou melhor, seu agora ex-namorado, já que Hugo aproveitou a viagem para encerrar o relacionamento de dez anos que mantinham. Agora, o roteirista precisa aprender a ser solteiro novamente, entrando em aplicativos de relacionamento (quatro horas após o término), conhecendo novas pessoas e tentando se adaptar às novas diretrizes da produtora responsável por seus filmes, que, sob nova administração, decidiu pausar a produção de obras menos comerciais — justamente o tipo de história em que João se especializa. Em meio ao turbilhão emocional que se instala, ele conhece Vitor, um libriano de 30 anos que parece cruzar seu caminho em todos os apps de relacionamento. É então que surge a ideia de transformar esse novo envolvimento em seu próximo roteiro: 13 Sentimentos. O problema é que, às vezes, um filme baseado em sentimentos reais não consegue acompanhar a realidade afetiva que o inspira.

É impossível pensar em Hoje Eu Quero Voltar Sozinho sem suspirar de amores ou lembrar da obra-prima que Daniel Ribeiro entregou em 2014. Mas dez anos se passaram, e nenhum cineasta pode viver eternamente de uma única obra de destaque. Nesse contexto, 13 Sentimentos surge como o próximo grande romance gay do diretor — mas, como o próprio título sugere, a produção desperta uma variedade de sentimentos, nem todos eles exatamente positivos. A história de João é pura: trata-se de um homem gay que acaba de sair de um relacionamento duradouro e precisa embarcar em uma jornada de redescoberta pessoal e amorosa. É uma trama com a qual é fácil se conectar, muito realista e sensível — mas até que ponto essa realidade consegue se encaixar em um roteiro de cinema? Talvez não tanto assim. A narrativa se concentra na trajetória de João e nas conversas com Alice e Chico, seus melhores amigos, que também enfrentam dilemas afetivos próprios. Mas é difícil encontrar um primor nesse roteiro quando a própria vida de João incomoda em tela. Tecnicamente, ele é um personagem excessivamente frágil, com uma rotina emocionalmente inconstante — algo que se torna ainda mais evidente ao compararmos o desempenho atual de Ribeiro, como roteirista e diretor, com o brilho narrativo que ele alcançou em 2014.

A atuação de Artur Volpi (João) é o que sustenta completamente a história. Ele consegue construir um João com quem é fácil se conectar, mesmo que o personagem esteja longe de ser o ideal para o filme — mas muito próximo de ser alguém com quem qualquer pessoa poderia se identificar. Volpi imprime uma doçura e uma evolução emocional ao personagem tão latentes quanto as que Leonardo apresentou dez anos antes. Mas, se o outro filme falava sobre o amor que ultrapassa as barreiras do preconceito, 13 Sentimentos fala sobre o amor que nasce apesar dos aplicativos e da cultura sexual vigente. Apesar de o filme percorrer uma jornada que envolve as conexões com Martin — o conhecido de Chico e Alice —, Alexandre e Rodrigo — o casal marmiteiro —, Leo — o cinegrafista amigo de Alice — e Orlando — o ex-namorado —, quem realmente marca presença em tela é Vitor. Interpretado com carisma por Michel Joelsas, ele é uma grata adição à narrativa, mesmo com todos os problemas que cercam seu personagem, que aparece pouco, mas com grande relevância ao longo da trama. É a partir de Vitor, e principalmente de Hugo, que nasce o roteiro de 13 Sentimentos, mas também é por meio da jornada sexual e dos encontros de João que esse roteiro ganha corpo e se desenvolve.

Tecnicamente, o longa aposta em uma estética delicada e minimalista, quase artística, com uma fotografia que prioriza cores suaves e uma paleta que reforça o tom introspectivo da narrativa. A montagem é marcada por um ritmo calmo, o que funciona bem nas cenas mais intimistas, mas compromete o dinamismo em alguns momentos de dispersão emocional. A trilha sonora, embora pontual e por vezes inspirada, não chega a se destacar como elemento marcante. O roteiro tenta costurar diferentes camadas emocionais e afetivas com diálogos realistas, mas por vezes cai na armadilha da repetição e da falta de profundidade em certos personagens coadjuvantes. A cena do cubo, e toda a metáfora que o objeto carrega, é uma das mais interessantes do longa, enquanto a cena de sexo final, embora talvez exagerada em seu tempo de tela, carrega um peso simbólico que ajuda a pontuar a proposta do filme com sensibilidade.

Um ponto que merece ressalva é o excesso de corpos padrão na jornada de João, o que deixa para a figuração a diversidade que se espera de um universo queer mais plural — especialmente considerando que a trama de Chico tem muito menos espaço de desenvolvimento do que a de Alice. Ainda assim, há um esforço visível de Daniel Ribeiro em criar uma obra honesta, centrada em vivências reais, mesmo que tecnicamente ela não alcance o mesmo impacto de seus trabalhos anteriores. 13 Sentimentos é uma obra sensível, atual e corajosa por tentar retratar a afetividade gay longe de estereótipos, e ainda assim ancorada em questões verdadeiras sobre amor, luto e recomeços. Não chega a ser arrebatador como Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, mas acerta ao mostrar a vulnerabilidade e o cotidiano de homens gays em um cenário que mistura aplicativos, inseguranças e sonhos criativos. Com méritos pontuais e alguns tropeços narrativos, o filme se estabelece como uma boa adição à filmografia LGBTQIA+ brasileira contemporânea.

“- Até mais, Vitor.
– Até mais taurino.”

 

Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.

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