Nota
Com direção de Jon Gunn, conhecido pelos seus filmes cristãos, o longa-metragem Invencível traz um roteiro bem estruturado, porém uma narrativa problemática no tocante à representação da vivência autista. O filme traz como narrador-personagem o Austin (Jacob Laval): uma criança com autismo e osteogênese (que torna os seus ossos frágeis e quebradiços). De início, Invencível leva o espectador a pensar que o filme é sobre ele, mas é aí que a obra muda de rota. Invencível é um filme muito mais sobre os pais do Austin do que sobre ele mesmo. Portanto, é a partir dessa perspectiva que já se tornam nítidas as problemáticas presentes na representação da neurodivergência.
Dando bastante enfoque à vida dos pais: Scott (Zachary Levi) e Teresa (Maghann Fahy), Austin aparece na narrativa como um obstáculo, um desafio na vida desses dois adultos. É perceptível que a vivência de pais com crianças neurodivergentes não é algo fácil, no entanto, o filme faz tudo parecer muito mais complicado. O autismo do Austin é retratado de uma maneira bastante estereotipada, haja vista a obra ter cenas em que o Austin chega a ser agressivo, o que incomodou grande parte dos espectadores autistas que não se sentiram bem com essa forma de representação. Além do personagem ser interpretado por um ator que é neurotípico, o que enfatiza mais ainda uma ideia errônea e completamente estereotipada de que pessoas autistas não são capazes de exercer funções importantes como a própria atuação. Entregar o papel de um personagem autista para um ator autista traria mais realismo e sensibilidade para o retrato de pessoas neurotípicas.
Além disso, o fato de não dar o enfoque ao Austin, torna a narrativa muito mais problemática, tendo em vista que pessoas neroatípicas são frequentemente colocadas nessa posição de “antagonistas” de suas próprias vidas. Dar o protagonismo para pessoas neurotípicas em um filme sobre pessoas neuroatípicas é uma forma de apagamento da maneira de pensar, se expressar e se apresentar para o mundo dessa população. Dessa maneira, um filme que era para trazer visibilidade para esse tipo de vivência, na realidade só faz reiterar estereótipos e padrões violentos de silenciamento que só corroboram para que essas pessoas continuem com suas existências sendo estigmatizadas pela sociedade. Será que realmente a melhor forma de retratar o autismo é mostrando como os pais de uma criança neuroatípica “sofrem” ao ter que criá-la?
Apesar de o filme conseguir trazer um roteiro convincente, que realmente prende o espectador do começo ao final, tendo romance, drama, superação, fica evidente que a narrativa pende muito para um certo sensacionalismo bem característico da filmografia cristã do Jon Gunn. Invencível, portanto, é um filme que, apesar de inspirado numa história real, não consegue ser tão relevante quanto Extraordinário, outro filme do mesmo estúdio. Justamente o fato de tirar o protagonismo da criança e usá-la como uma forma de obstáculo na narrativa é o que torna Invencível apenas mais uma obra que estigmatiza vivências autistas.