Crítica | Praça Paris

Nota
4

Camila (Joana de Verona) é uma terapeuta portuguesa que trabalha na UERJ, onde atende Glória (Grace Passô), ascensorista da universidade. Durante as sessões, Camila se depara com uma realidade bastante violenta, já que Glória foi estuprada pelo próprio pai quando criança e seu irmão é um perigoso bandido que está na prisão. Cada vez mais assustada com os relatos que ouve, ela se sente ameaçada ao mesmo tempo em que Glória passa a vê-la como algo essencial em sua vida.

Os problemas sociais na cidade do Rio de Janeiro, assim como temas alarmantes na qual se destacam o racismo, a paranoia e o olhar estrangeiro perante a sociedade brasileira, são temas primordiais nas obras da cineasta Lúcia Murat. A diretora, que começou a carreira cinematográfica com o documentário, em “O Pequeno Exército Louco” (1984), e em seguida aproximando o drama do realismo documental em “Que Bom Te Ver Viva” (1989) – característica essa que até os dias de hoje fazem parte de suas produções -, preza pela exploração de uma realidade triste e, ao mesmo tempo, assustadora em “Praça Paris”.

No mais novo longa-metragem dramático de Murat, há uma mesma naturalidade e delicadeza encontrada em seus demais filmes ao abordar questões sociais e no desenvolvimento das personagens. No caso de “Praça Paris”, somos apresentados aos raros momentos bons e à série de desavenças das vidas das protagonistas (ou seriam antagonistas?). De um lado, temos Glória, interpretada pela espetacular Grace Passô, moradora da favela e irmã de um conhecido bandido que se encontra no cárcere. Do outro, temos a psicóloga portuguesa Camila, interpretada pela expressiva e assustada Joana de Verona, que quer seguir os passos da avó que morou no Brasil mas não está acostumada com a violência do país, o que a faz olhar a realidade brasileira com medo e preconceito.

Com primeiro ato lento, mas fundamental para criarmos empatia com os sofrimentos de Glória, ou com a inocência de Camila, o filme opta por conduzir aos poucos o roteiro sutil de Lúcia Murat e Raphael Montes, que tem a proeza de se tornar certeiro a partir do segundo ato e transformar-se em um suspense presunçoso e por vezes perturbador, ainda mais nos momentos finais. A relação entre Glória e seu irmão presidiário, Jonas (Alex Brasil), é bem apresentada e quanto mais descobrimos sobre a história dos dois, mais entendemos como suas vidas foram devastadas e a motivação de ambos, apesar de ser errada.

A fotografia e os soberbos movimentos de câmera que seguem os personagens ou exploram detalhadamente cenários contribuem com a criação de uma atmosfera urbana para o filme, além de intensificar a naturalidade das situações ali enfrentadas, como, principalmente, a transformação do medo em fobia e intolerância, o que danifica a mente de alguém que outrora era bem estruturada.

Apresentando-se como uma grande releitura do medo dos habitantes, não só do Rio de Janeiro, mas de todo o Brasil e, não apenas de uma classe social, mas de muitas, “Praça Paris” é um ótimo exemplo de drama que tinha tudo para terminar com um final inspirador e piegas, mas que prefere prezar pela assustadora realidade tão caótica e destrutiva.

 

Jornalista, crítico de cinema, fotógrafo amador e redator. Quando eu crescer, quero ser cineasta.

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